ℭomo acontece cada ano, temos hoje ocasião de nos encontrar alguns dias antes da festa do Natal; é um modo de expressar "em voz alta" a nossa fraternidade através da troca recíproca das boas festas natalícias, mas é também um momento de reflexão e exame de consciência para cada um de nós, a fim de que a luz do Verbo encarnado nos mostre cada vez melhor quem somos e qual é a nossa missão, principalmente neste orbi habbliveano.
Como todos sabemos, o mistério do Natal é o mistério de Deus que vem ao mundo pelo caminho da humildade. Encarnou: aquela grande synkatabasis! Infelizmente o nosso tempo parece ter-se esquecido da humildade ou simplesmente tê-la limitado a uma forma de moralismo, esvaziando-a da força incisiva de que é dotada.
Mas, se tivéssemos de expressar todo o mistério do Natal numa palavra, creio que o termo que mais nos poderia ajudar é humildade. Os Evangelhos falam-nos dum cenário pobre, sóbrio, impróprio para acolher uma mulher que está para dar à luz. E, contudo, o Rei dos reis vem ao mundo, não dando nas vistas, mas suscitando uma atração misteriosa nos corações de quantos sentem a presença incisiva duma novidade que está prestes a mudar a história. Por isso apraz-me pensar e também dizer que a humildade foi a sua porta de entrada e convida-nos, a todos nós, a atravessá-la. Vem-me ao pensamento esta frase dos Exercícios: não se pode avançar sem humildade, nem se pode avançar na humildade sem humilhações. E Santo Inácio diz-nos para pedir humilhações.
Todos sabemos que o contrário da humildade é a soberba. Um versículo do profeta Malaquias (que muito em impressionou) ajuda-nos, por contraste, a compreender a diferença que há entre o caminho da humildade e o da soberba: "Todos os soberbos e todos os que cometem a iniquidade serão como a palha; este dia que vai chegar queimá-los-á – diz o Senhor do universo – e nada ficará deles: nem raiz, nem ramos" (3,19).
Recordar significa, etimologicamente, «trazer de novo ao coração», re-cordar. A memória viva que temos da Tradição, das raízes, não é culto do passado, mas gesto interior por meio do qual trazemos constantemente ao coração aquilo que nos precedeu, que atravessou a nossa história, que nos fez chegar até aqui. Recordar não é repetir, mas arrecadar, reavivar e, agradecidos, deixar que a força do Espírito Santo nos faça, como aos primeiros discípulos, arder o coração (cf. Lc 24, 32).
Todos nós somos chamados à humildade, porque somos chamados a recordar e a gerar, somos chamados a reencontrar a justa relação com as raízes e com os ramos. Sem eles, deterioramo-nos e estamos destinados a desaparecer. Vindo ao mundo pela via da humildade, Jesus abre-nos um caminho, indica-nos um estilo de vida, mostra-nos uma meta.
Queridos prefeitos e presidentes (Dicástérios e Pontificíos Conselhos), se é verdade que, sem humildade, não se pode encontrar Deus nem é possível fazer experiência de salvação, é igualmente verdade que, sem humildade, não se pode sequer encontrar o próximo, o irmão e a irmã que vivem ao nosso lado.
A sinodalidade é um estilo, ao qual, os primeiros a converter-se, devemos ser nós que estamos aqui e vivemos a experiência do serviço à Igreja universal através do trabalho na Cúria Romana. E a Cúria – nunca o esqueçamos! – não é apenas um instrumento logístico e burocrático para as necessidades da Igreja universal, mas é o primeiro organismo chamado a dar testemunho; e por isso mesmo, na medida em que assume pessoalmente os desafios da conversão sinodal a que é chamada também ela, cresce a sua credibilidade e eficácia. A organização que devemos implementar não é de tipo empresarial, mas evangélico.
𝔔ue o Senhor no-la conceda em dom a partir da primordial manifestação do Espírito em nós: o desejo. Aquilo que não temos, podemos ao menos começar a desejá-lo. Peçamos ao Senhor a graça de conseguir desejar, de nos tornarmos homens de grandes desejos. E o desejo é já o Espírito a trabalhar dentro de cada um de nós.
Feliz Natal a todos! E peço-vos para rezardes por mim. Obrigado!