+ Joseph Card. Ghislieri - Presidente da Comissão Conciliar para o Âmbito Filosófico
e Teológico
+ Marcus
Antonius Card. Di Vegesela - Membro Auxiliar da Comissão
Conciliar para o Âmbito Filosófico e Teológico
CAPÍTULO I
Nuances e pontos de vista no
anúncio do Evangelho
Atualidade no anúncio do
Evangelho
2.
Deus, que é a própria Verdade, é imutável e perfeito. Contudo, em nossa
realidade humana, mutável e imperfeita, Deus faz-se presente de muitos modos
que transcendem a nossa compreensão. Por isso, dizemos que o anúncio do
evangelho precisa constantemente renovar-se para atender às exigências de nossa
realidade. Não se trata em dizer que a mensagem comunicada por Deus mudou. O
que muda é nossa realidade sensível, material e intelectual. Desse modo, como
as crianças que avançam em sua etapa de aprendizagem e amadurecendo, conforme
vão envelhecendo, assim também a humanidade tende a amadurecer sua fé e seu
relacionamento com Deus e com os irmãos, acompanhando o avanço e progresso da
ciência e da tecnologia.
3.
O ponto fundamental é sempre o mesmo: instaurar o Reino de Jesus no mundo,
plantando nos corações a semente do amor e da fraternidade universal! Esse
projeto se instaura, segundo as necessidades de cada tempo, bem como segundo a
compreensão e desenvolvimento humano. O Concílio Vaticano II, na Constituição
Apostólica Gaudium et Spes já nos recordava isso ao proclamar que “Nos nossos dias, a humanidade, cheia de
admiração ante as próprias descobertas e poder, debate, porém, muitas vezes,
com angústia, as questões relativas à evolução atual do mundo, ao lugar e
missão do homem no universo, ao significado do seu esforço individual e
coletivo, enfim, ao último destino das criaturas e do homem.” [1].
Teologia e Filosofia
4.
Para ajudar os povos em seu encontro pessoal e transformador com o Deus de amor
e justiça, revelado em Jesus Cristo, Nosso Senhor, a Igreja se debruçou, sempre
com diligência e cuidados maternais, a estudar e aprofundar o sentido da
existência humana, bem como o modo de aproximar o Deus invisível de nossa
realidade conturbada e exigente. Inspirada pelo próprio Mestre Jesus que
proclama: “Eu vim para que todos tenham
vida e a tenham em abundancia” (Jo 10,10), a Igreja se debruça a estudar as
formas práticas e eficazes, que em comunhão com Revelação Divina, possam prover
meios para que essa plenitude de vida se instaure. Este intento encontra
barreiras e desafios ao esbarrar nas mais diferentes formas de experiência com
o Sagrado de inúmeros povos e culturas da terra. De igual modo, a diversidade
de condições sociais demanda um anúncio da Boa-nova de Salvação e Libertação
que responda aos anseios e angústias da vida diária de tantos filhos e filhas
de Deus.
5.
É necessário que em cada grande espaço sociocultural, se estimule uma reflexão
teológica tal que, à luz da tradição da Igreja universal, as ações e as
palavras reveladas por Deus, consignadas na Sagrada Escritura, e explicadas
pelos Padres da Igreja e pelo magistério, sejam sempre de novo investigadas.
Assim se entenderá mais claramente o processo de tornar a fé inteligível, tendo
em conta a filosofia ou a sabedoria dos povos, e a maneira de os costumes, o
sentido da vida e a ordem social poderem concordar com a moral manifestada pela
revelação divina. Deste modo se descobrirá o caminho para uma mais profunda
adaptação em toda a extensão da vida cristã. [2]
Deus é imutável, o magistério
não
6.
Se Deus é imutável, o magistério da Igreja é sim mutável, de acordo com a
caminhada do mundo. Não se trata em fala de um “mundanismo” que se infiltra na
Igreja, mas é justamente o oposto: para que o anúncio do evangelho seja eficaz
e contextualizado, a Igreja busca entender o mundo atual e lançar luzes às suas
angústias.
7.
A Igreja caminha com o mundo, segundo as realidades de seu tempo. No passado,
ela já foi favorável a pena de morte; já foi favorável à convocação de guerras;
e, hoje, estas são coisas inadmissíveis, segundo a própria doutrina cristã. Não
foi Deus que mudou o conteúdo da Revelação Divina, mas foi a Igreja que, ao
exercer seu múnus de interpretá-lo, de acordo com a realidade sociocultural e
antropológica de seu tempo, percebeu que tais ideais correspondiam a um
anacronismo. O progresso dos povos, o avanço do conhecimento científico e das
tecnologias auxiliam grandemente ao progresso da vivência eclesiológica.
Conservadorismo e
Progressismo
8.
Outra questão que implica no anúncio do Evangelho são as polarizações
ideológicas, através de correntes mais conservadoras ou mais progressistas, que
levadas ao extremismo, prejudicam a caminhada da Igreja. Deve-se lembrar que
existem boas ideias de ambos lados, mas que o extremo entre eles traz consigo
uma maldade imensurável que divide a sociedade e principalmente a Igreja. O que
faz caminhar na verdadeira justiça e santidade no itinerário da vida é a
temperança, a importância do equilíbrio na história humana é presente na fé,
para que não se torne torpe a visão das coisas interiores -fé, oração, valores-
e das coisa exteriores -Igrejas, arte, livros-, como a música deve levar a
oração, por sua vez a oração deve levar a louvores a Deus.
9.
Assim também, de forma geral na sociedade, política, família, inclinações, o
perigo do extremo é evidente, o dever Cristão é tomar atitudes evangélicas e de
caridade na fé, como na política se olha a Doutrina Social, para que seja
transparente no interior e no exterior, um sendo reflexo do outro -um avião não
plaina com maestria somente com uma asa, nem o ser humano torna-se racional e
coerente sem ponderar-se. [3]
10. Para efeitos práticos, cumpre retornar ao conceito de anacronismo, ou seja: tudo aquilo que fez sentido em um determinado momento histórico, mas que não cabe mais em nosso tempo atual. Anacrônico é todo aquele que quer transportar valores e costumes do passado, muitas vezes idealizado, para o tempo presente, desconsiderando as mudanças e progresso próprios da cultura em geral. É preciso caminhar juntos e não ficarmos parados no tempo, para que a comunicação da Boa-Nova de Jesus tenha sucesso e os fiéis encontrem no coração a resposta que necessitam.
CAPITULO II
A necessidade do profetismo Político
Igreja
e Política
11.
O empenho do cristão no mundo em dois mil anos de história manifestou-se
seguindo diversos percursos. Um deles concretizou-se através da participação na
ação política: os cristãos, afirmava um escritor eclesiástico dos primeiros
séculos, “participam na vida pública como cidadãos”. A Igreja venera entre os
seus Santos numerosos homens e mulheres que serviram a Deus através do seu
generoso empenho nas atividades políticas e de governo. [4] No ensinamento de Francisco: “Para se
tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a
fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é
necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem
comum.” [5]
12.
Urge, assim, iluminar a Igreja com um profetismo comprometido com a causa do
Reino de Jesus. Para isto, é preciso sair de um comodismo alienante, que
faz-nos fechar em nosso mundo eclesiástico, e ir de encontro às diversas
demandas que a vida em sociedade faz surgir. Comprometer-se com a política é um
dever e obrigação moral do cristão, que deve fazê-lo inspirado na caridade de
Cristo. A presença
dos cristãos nos agrupamentos humanos seja animada daquela caridade com que
Deus nos amou, e com a qual quer que também nós nos amemos uns aos outros.
13.
Efetivamente, a caridade cristã a todos se estende sem discriminação de raça,
condição social ou religião; não espera qualquer lucro ou agradecimento.
Portanto, assim como Deus nos amou com um amor gratuito, assim também os fiéis,
pela sua caridade, sejam solícitos pelos homens, amando-os com o mesmo zelo com
que Deus veio procurá-los. E assim como Cristo percorria todas as cidades e
aldeias, curando todas as doenças e todas as enfermidades, proclamando o
advento do reino e Deus, do mesmo modo a Igreja, por meio dos seus filhos,
estabelece relações com os homens de qualquer condição, de modo especial cm os
pobres e aflitos, e de bom grado por eles gasta as forças. Participa nas suas
alegrias e dores, conhece as suas aspirações e os problemas da sua vida e sofre
com eles nas ansiedades da morte, trazendo-lhes a paz e a luz do Evangelho. [6]
14.
Ainda no ensinamento de Francisco: é preciso “Reconhecer todo o ser humano como
um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são
meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos
eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e qualquer esforço nesta
linha torna-se um exercício alto da caridade. Com efeito, um indivíduo pode ajudar
uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos
sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no «campo da caridade mais
ampla, a caridade política». Trata-se de avançar para uma ordem social e
política, cuja alma seja a caridade social. Convido uma vez mais a revalorizar
a política, que «é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de
caridade, porque busca o bem comum».” [7]
15.
A Igreja enquanto Instituição não deve nunca se misturar com a política
partidária e militante. O tempo em que existia uma união entre Igreja e Estado
já passou, de modo que a Igreja apenas orienta os fiéis - e a sociedade civil
de modo geral- sobre caminhos possíveis a ser trilhados, pautados na ética do
evangelho. Contudo, individualmente, enquanto cristãos e membros da mesma
sociedade, podemos e devemos exercer nela nosso profetismo político,
engajando-nos nas causas que refletem a causa de Jesus: a defesa dos
marginalizados, empobrecidos e injustiçados. Os “órfãos e viúvas” de nosso
tempo. Se enquanto Instituição, a Igreja é e deve ser apartidária,
enquanto membros da mesma Igreja, e seguidores de Jesus, temos sim que nos
envolver ativamente na política, de modo a iluminar o mundo com a caridade de
Cristo. Cuide o clero de manter o equilíbrio nessas relações, de modo a ter em
mente quando estão representando a Igreja e quando estão exercendo seu direito
e dever cidadão.
Relativismo
e Fé
16.
O tempo que vivemos é invadido por diversos modos de pensar e agir, entre os
quais se destaca o relativismo. Esta corrente de pensamento entende que nada
podemos afirmar a respeito de algo, porque tudo é relativo e depende do ponto
de vista de cada um, portanto, podendo incorrer num subjetivismo sem limites.
Segundo este modo de pensar, não existe o certo e o errado, o positivo e o
negativo; existem opiniões diferentes e justapostas. Portanto, uma determinada
pessoa pode considerar algo como certo e outra pode considerá-lo errado, não
havendo como definir quem tem razão. Os relativistas acham que ninguém tem
autoridade para ensinar aos outros o bem e o mal, o moral e o imoral. Muitos
vivem sem referências de valores e princípios pelos quais procuram orientar-se.
O certo e o errado tornaram-se conceitos vagos, pois cada um escolhe e decide
como quer.
17.
Enquanto Igreja, embora reconhecendo o devido respeito à concepções filosóficas
e culturais diferentes, não podemos negar a Verdade da Fé que cremos e,
portanto, todo conteúdo da Revelação Divina contido nas Escrituras Sagradas, na
Sagrada Tradição e no Magistério da Igreja. Neste sentido alerta-nos a Igreja:
“O individualismo penetra até mesmo em certos ambientes religiosos, na busca
da própria satisfação, prescindindo do bem maior, o amor de Deus e o serviço
aos semelhantes. Oportunistas manipulam a mensagem do Evangelho em causa
própria. Já não é mais a pessoa que se coloca na presença de Deus, como servo
atento (1 Sm 3,9-10), mas é a ilusão de que Deus pode estar a serviço das
pessoas”. [8]
18. Apesar disso, é possível construir e congregar com aqueles que que pensam e acreditam em algo diverso de nós. O Deus que cremos nos fez para unidade, e não podemos limitar seu poder e ação que se manifesta de outras diversas formar, para além de nossa compreensão. “É importante termos clareza do que Jesus nos ensinou no Evangelho, por palavras e pelo modo de vida, cheio do espírito da gratuidade, da alteridade, da paz e da justiça, caminho totalmente oposto ao individualismo egoísta. Seu Mandamento Novo, que ensina o Amor-serviço e nos reúne em comunidades evangelizadoras a serviço do Reino, será sempre nossa referência maior: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos… O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (cf. Jo 15, 13 e 17). Os valores que nos orientarão na vida se inspirarão sempre neste Evangelho. Será a Palavra de Deus a nos guiar, qual luz em nosso caminho (Sl 119, 105)”. [9]
CAPÍTULO III
Diálogo para uma nova cultura
Ecumenismo
19.
Outro ponto de tradicional de embate no diálogo teológico e filosófico é a
relação da Igreja frente às outras tantas denominações cristãs. À este
respeito, São Paulo VI já proclamava em seu decreto sobre o Ecumenismo: “A
solicitude na restauração da união vale para toda a Igreja, tanto para os fiéis
como para os pastores. Afeta a cada um em particular, de acordo com sua
capacidade, quer na vida cristã quotidiana, quer nas investigações teológicas e
histéricas. Essa preocupação já manifesta de certo modo a união fraterna
existente entre todos os cristãos, e conduz à unidade plena e perfeita, segundo
a benevolência de Deus”. [10]
20. É preciso conhecer a mente dos irmãos
separados. Para isso, necessariamente se requer um estudo, a ser feito segundo
a verdade e com animo benévolo. Católicos devidamente preparados devem adquirir
um melhor conhecimento da doutrina e história, da vida espiritual e litúrgica,
da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos. Muito ajudam para isso
as reuniões de ambas as partes para tratar principalmente de questões
teológicas, onde cada parte dever agir de igual para igual, contanto que
aqueles que, sob a vigilância dos superiores, nelas tomam parte, sejam
verdadeiramente peritos. De tal diálogo também se ver mais claramente qual é a
situação real da Igreja católica. Por esse caminho se conhecer outrossim melhor
a mente dos irmãos separados e a nossa fé lhes ser mais aptamente exposta. [11]
20.
Para a realidade habbliveana de nossa Igreja, cumpre ressaltar o proveito que o
sadio convívio com as Igrejas de outros hotéis pode ter, desde que haja
abertura de coração de ambos os lados para o acolhimento da mensagem de Jesus,
deixando de lado tudo aquilo que se torna causa de contradição: inveja,
espírito de competição e disputa, carreirismos e ciúmes. A respeito disso,
alertava o Papa Júlio Magno, em sua homilia de entronização pontifícia:
É verdade
que muitos e muitas se aproximaram de Deus e da Igreja por causa do que nós
fazemos. Mas nós temos potencial para muito mais, se fossemos mais unidos, se
nos destituíssemos de todo jogo pelo poder. Como seria bonito se TODAS as
Igrejas, dos mais diferentes hotéis (Habbo, Habblive, Hablet, Iron e tantos outros
que houver) entendessem que o que fazemos é a mesma coisa. Que o objetivo é o
mesmo. Por que causar intrigas? Por que causar invejas? Por que agir de forma a
roubar clérigos ou fieis de um lugar pro outro? Pra que? Pra ter sucesso em seu
projeto pessoal e ter seu ego massageado???? Mesmo que constituindo Igrejas
diferentes, nos mais diversos hotéis, pra que fomentar um clima de hostilidade
entre cleros, como se fossemos inimigos? Isso só demonstra que muitos dos que
aqui estão, não estão por causa de Cristo e do Evangelho coisíssima nenhuma!
[12]
Diálogo
Inter-religioso a serviço da Fraternidade
21. As várias religiões, ao partir do
reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho
ou filha de Deus, oferecem uma preciosa contribuição para a construção da
fraternidade e a defesa da justiça na sociedade. O diálogo entre pessoas de
diferentes religiões não se faz apenas por diplomacia, amabilidade ou
tolerância. Como ensinaram os bispos da Índia, «o objetivo do diálogo é
estabelecer amizade, paz, harmonia e partilhar valores e experiências morais e
espirituais num espírito de verdade e amor». [13]
22.
O culto sincero e humilde a Deus «leva, não à discriminação, ao ódio e à
violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade
e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de
todos». Na realidade, «aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois
Deus é amor» (cf. 1 Jo 4, 8). [14]
CAPÍTULO IV
Causa para os Santos
23.
Todos nós somos chamados à Santidade. “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso
Deus, sou santo” (cf. Lv 19,2). Esta proclamação bíblica evoca em nós o
profundo sentimento de compromisso e de conversão, pois nossa condição pecadora
faz com que nos afastemos daquele ideal proposto pelo Senhor. Jesus também diz:
“Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!” (cf. Mt 5, 48). Ora,
esta exortação é precedida pelo conhecido “sermão da montanha”, onde Jesus expõe
o caminho para vivência desta santidade. A santidade, constitui assim, um
autêntico desprendimento de si mesmo, colocando em prática o amor-serviço.
Neste caminho, nós somos auxiliados pelo próprio amor de Deus, que olha nossa
fraqueza e nos ergue a cada queda. Assim, ser santo é se esforçar para pôr em
prática o mandamento do amor, apesar nossas quedas e fracassos. Perfeito,
segundo a logica do evangelho, não é aquele que não erra, mas é aquele que
mesmo errando, esforça-se com retidão de coração pelo caminho do bem.
24.
Historicamente, a Santa Igreja reconhece a honra a dignidade e santidade daqueles
homens e mulheres que viveram de tal forma sua vocação cristã, que servem de
modelo e exemplo para todos os cristãos. Estes, elevados à dignidade dos
altares e ao culto de “Dulia” (veneração), são reconhecidos como nossos
intercessores junto à Divina Majestade. Não é a Igreja, que no ato da
canonização transforma alguém em santo. Ela só ratifica a reconhece a santidade
daquela pessoa, pois reconhece que sua vida pode motivar e ajudar a muitos em
sua vivência de fé.
25. Apesar disto, não cabe a nós – em nossa realidade virtual – reconhecer a santidade e “canonizar” novos santos para o culto e veneração. Tal ato é demasiado sério para ser transportado para nossa realidade virtual e fica, portanto, banido.
CAPITULO V
A comunhão enquanto presença real do Senhor
e suas implicações da realidade virtual
26. A Eucaristia, memorial do Senhor, é o ponto central de nossa
fé. Querendo se perpetuar em nosso meio de modo material, quis o Senhor na
última Ceia instituir o Sacrifício Eucarístico para o nosso alimento e
sustento. Por meio da Eucaristia, recebemos verdadeiramente o Corpo e Sangue do
Senhor e, com os irmãos, participamos do Banquete os Eleitos.
27.
O pão e vinho não deixam de ser pão e vinho pela consagração do sacerdote. Não
é isso que a palavra transubstanciação quer dizer. A matéria permanece a mesma.
Porém, esse pão e vinho “eucaristizados” são agora, verdadeiramente e não
simbolicamente, corpo e sangue de Jesus. Em todas as narrativas da instituição
sacramental da Eucaristia, Jesus diz “Isto é o meu corpo! Isto é o meu
sangue!”. Ele não diz isso simboliza meu corpo e sangue. E ainda, institui a
Eucaristia como memorial de sua entrega na cruz. Memorial aqui não quer dizer
fazer memória, lembrar de um fato passado. Mas, na perspectiva judaica, é atualizar,
tonar presente o mistério que se celebra. A Igreja crê verdadeiramente que em
cada celebração eucarística, ao consagrar a matéria do pão e vinho, ali se
torna presente o corpo e sangue do Senhor. Como anuncia a própria oração
eucarística: esse é o mistério da fé. Mistério do amor perfeito de um Deus tão
grande que, morto e ressuscitado por suas criaturas, se faz tão pequeno nas
espécies frágeis do pão e vinho consagrados. A Eucaristia é presença do Senhor
ressuscitado, pois se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria nossa fé (cf.
1Cor 15,14).
28.
Sabemos que, em nossa realidade virtual NÃO existe essa presença real. A transubstanciação
não acontece pois nem mesmo a matéria da oferenda (pão e vinho) se fazem presentes
de forma física e real. Aqui é preciso ter claro que, enquanto Igreja somos uma
representação da Igreja Católica nesta realidade virtual. Através da repetição dos
ritos e das práticas exteriores da fé católica, almejamos um autêntico
apostolado virtual que dê frutos – como já tem dado ao longo dos anos – para a
vivência de fé na realidade.
Consagração
na missa. Sentido teológico
29.
Por causa desse entendimento de nossa ação evangelizadora no campo virtual, consolidou-se
no passado o entendimento de omitir as palavras da consagração na missa “Tomai
todos e comei; Tomai todos e bebei”, por serem consideradas palavras demasiadamente
sagradas para serem proferidas em vão. Contudo, se formos levar este conceito
de grau de sacralidade em consideração, não seria apenas a consagração que
deveria ser omitida, mas a missa em sua totalidade bem como os demais sacramentos.
É preciso compreender, e é este o entendimento dos padres conciliares, que ao
realizar algum serviço litúrgico e sagrado na realidade virtual, não o estamos
fazendo para simular os sacramentos, ou acreditando de verdade que o que
fazemos é válido. Este seria um erro gravíssimo. Mas, quando celebramos a missa
e os demais sacramentos, estamos repetindo exteriormente algo sensível à
memória de quem assiste que logo entenderá se tratar da Igreja Católica Romana.
30. Assim, pela repetição dos atos externos de nossa fé católica, almejamos divulgar, com a ajuda do Espírito Santo, a verdade de fé que cremos e professamos. Sendo a Eucaristia um dos pilares centrais de nossa fé, busquemos celebra-la e representa-la de tal modo que gere verdadeiros frutos de conversão. Isso só será possível se aliado à uma prática verdadeiramente acolhedora e transformadora. O que importa aqui é que, através de uma devoção eucarística dotada de sentido substancial, possamos viver nossa fé de maneira concreta, excluindo os individualismos e fundamentalismos. Quem participa de verdade do Banquete Eucarístico compreende essas coisas, não se fecha em si mesmo, mas faz de toda sua vida uma autêntica comunhão.
CONCLUSÃO
31.
“Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos
outros” (Jo. 13, 35). Os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que
servir sempre com maior generosidade e eficácia os homens do mundo de hoje.” [15] Isso
se dá através do reconhecimento das suas necessidades, angústias e feridas espirituais.
Reconhecer isto proporcionará um anuncio do evangelho contextualizado com o
mundo e mais próximo da realidade das pessoas. Ao se encarnar e fazer-se um
nós, Deus mostrou-se um ser próximo de nossa condição humana. Partilhou conosco
as dores e angustias, esperanças e alegrias, desejos e tentações. Se Ele, sendo
Deus, dignou-se a tal ato, não podemos ser uma Igreja que anuncie um Deus
distante e castigador, alheio às nossas dores. Ele caminha e quer caminhar no
meio de nós. Que a Igreja seja um autêntico Sacramento da Comunhão do amor de
Deus!
+ Carlos Card. Montana
+ Gregório Andreolli Card. Magnus
+ Jorge Card. Orsini
+ Joseph Card. Ghislieri
+ Marcus Antonius Card. Di Vegesela
+ Marcus Nunes Card. di Montserrat
+ Gabriel de Orleans e Bragança
+ Antônio Llovera