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Constituição Apostólica Conciliar "Deus est communio amoris" | Sobre o Âmbito Filosófico e Teológico

 


SACRUM CONCILIUM VATICANUM I

CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA CONCILIAR
DEUS EST COMMUNIO AMORIS
SOBRE O ÂMBITO FILOSÓFICO E TEOLÓGICO

BENEDICTVS, EPISCOPVS
SERVUS SERVORUM DEI

VICARIVS CHRISTI
PRINCIPIS APOSTOLORUM SUCCESSOR
SUMMA PONTIFICIS UNIVERSALIS ECCLESIAE
PRIMA ITALIA
METROPOLITANUS ROMANAE PROVINCIAE ARCHIEPISCOPUS
SERVORUM SERVORUM DEI
PATRIARCHAE OCCIDENTALIS

PROÊMIO

1. Deus é comunhão de amor! A imagem da Santíssima Trindade deve ser para nós o espelho onde devemos enxergar a nossa própria comunidade eclesial. Nessa comunhão de amor, as divergências próprias da natureza de cada um, somam-se e completam-se numa perfeita harmonia. Assim sendo, a Igreja, formada pelos diferentes povos e culturas, deve encontrar na pluralidade de dons a base que nos une e impulsiona a continuar comunicando o evangelho da salvação. Este intento torna-se desafiante, em meio a tantos posicionamentos e extremismos que existem também no seio da Igreja. Neste sentido, queremos iluminar com o Concílio a vivência da nossa igreja segundo à imagem do próprio Deus: comunhão de amor e unidade na diversidade.

+  Joseph Card. Ghislieri Presidente da Comissão Conciliar para o Âmbito Filosófico e Teológico

Marcus Antonius Card. Di Vegesela - Membro Auxiliar da Comissão Conciliar para o Âmbito Filosófico e Teológico

 

CAPÍTULO I

Nuances e pontos de vista no anúncio do Evangelho

Atualidade no anúncio do Evangelho

2. Deus, que é a própria Verdade, é imutável e perfeito. Contudo, em nossa realidade humana, mutável e imperfeita, Deus faz-se presente de muitos modos que transcendem a nossa compreensão. Por isso, dizemos que o anúncio do evangelho precisa constantemente renovar-se para atender às exigências de nossa realidade. Não se trata em dizer que a mensagem comunicada por Deus mudou. O que muda é nossa realidade sensível, material e intelectual. Desse modo, como as crianças que avançam em sua etapa de aprendizagem e amadurecendo, conforme vão envelhecendo, assim também a humanidade tende a amadurecer sua fé e seu relacionamento com Deus e com os irmãos, acompanhando o avanço e progresso da ciência e da tecnologia.

3. O ponto fundamental é sempre o mesmo: instaurar o Reino de Jesus no mundo, plantando nos corações a semente do amor e da fraternidade universal! Esse projeto se instaura, segundo as necessidades de cada tempo, bem como segundo a compreensão e desenvolvimento humano. O Concílio Vaticano II, na Constituição Apostólica Gaudium et Spes já nos recordava isso ao proclamar que “Nos nossos dias, a humanidade, cheia de admiração ante as próprias descobertas e poder, debate, porém, muitas vezes, com angústia, as questões relativas à evolução atual do mundo, ao lugar e missão do homem no universo, ao significado do seu esforço individual e coletivo, enfim, ao último destino das criaturas e do homem.” [1].

Teologia e Filosofia

4. Para ajudar os povos em seu encontro pessoal e transformador com o Deus de amor e justiça, revelado em Jesus Cristo, Nosso Senhor, a Igreja se debruçou, sempre com diligência e cuidados maternais, a estudar e aprofundar o sentido da existência humana, bem como o modo de aproximar o Deus invisível de nossa realidade conturbada e exigente. Inspirada pelo próprio Mestre Jesus que proclama: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundancia” (Jo 10,10), a Igreja se debruça a estudar as formas práticas e eficazes, que em comunhão com Revelação Divina, possam prover meios para que essa plenitude de vida se instaure. Este intento encontra barreiras e desafios ao esbarrar nas mais diferentes formas de experiência com o Sagrado de inúmeros povos e culturas da terra. De igual modo, a diversidade de condições sociais demanda um anúncio da Boa-nova de Salvação e Libertação que responda aos anseios e angústias da vida diária de tantos filhos e filhas de Deus.

5. É necessário que em cada grande espaço sociocultural, se estimule uma reflexão teológica tal que, à luz da tradição da Igreja universal, as ações e as palavras reveladas por Deus, consignadas na Sagrada Escritura, e explicadas pelos Padres da Igreja e pelo magistério, sejam sempre de novo investigadas. Assim se entenderá mais claramente o processo de tornar a fé inteligível, tendo em conta a filosofia ou a sabedoria dos povos, e a maneira de os costumes, o sentido da vida e a ordem social poderem concordar com a moral manifestada pela revelação divina. Deste modo se descobrirá o caminho para uma mais profunda adaptação em toda a extensão da vida cristã. [2]

Deus é imutável, o magistério não

6. Se Deus é imutável, o magistério da Igreja é sim mutável, de acordo com a caminhada do mundo. Não se trata em fala de um “mundanismo” que se infiltra na Igreja, mas é justamente o oposto: para que o anúncio do evangelho seja eficaz e contextualizado, a Igreja busca entender o mundo atual e lançar luzes às suas angústias.

7. A Igreja caminha com o mundo, segundo as realidades de seu tempo. No passado, ela já foi favorável a pena de morte; já foi favorável à convocação de guerras; e, hoje, estas são coisas inadmissíveis, segundo a própria doutrina cristã. Não foi Deus que mudou o conteúdo da Revelação Divina, mas foi a Igreja que, ao exercer seu múnus de interpretá-lo, de acordo com a realidade sociocultural e antropológica de seu tempo, percebeu que tais ideais correspondiam a um anacronismo. O progresso dos povos, o avanço do conhecimento científico e das tecnologias auxiliam grandemente ao progresso da vivência eclesiológica.

Conservadorismo e Progressismo

8. Outra questão que implica no anúncio do Evangelho são as polarizações ideológicas, através de correntes mais conservadoras ou mais progressistas, que levadas ao extremismo, prejudicam a caminhada da Igreja. Deve-se lembrar que existem boas ideias de ambos lados, mas que o extremo entre eles traz consigo uma maldade imensurável que divide a sociedade e principalmente a Igreja. O que faz caminhar na verdadeira justiça e santidade no itinerário da vida é a temperança, a importância do equilíbrio na história humana é presente na fé, para que não se torne torpe a visão das coisas interiores -fé, oração, valores- e das coisa exteriores -Igrejas, arte, livros-, como a música deve levar a oração, por sua vez a oração deve levar a louvores a Deus.

9. Assim também, de forma geral na sociedade, política, família, inclinações, o perigo do extremo é evidente, o dever Cristão é tomar atitudes evangélicas e de caridade na fé, como na política se olha a Doutrina Social, para que seja transparente no interior e no exterior, um sendo reflexo do outro -um avião não plaina com maestria somente com uma asa, nem o ser humano torna-se racional e coerente sem ponderar-se. [3]

10. Para efeitos práticos, cumpre retornar ao conceito de anacronismo, ou seja: tudo aquilo que fez sentido em um determinado momento histórico, mas que não cabe mais em nosso tempo atual. Anacrônico é todo aquele que quer transportar valores e costumes do passado, muitas vezes idealizado, para o tempo presente, desconsiderando as mudanças e progresso próprios da cultura em geral. É preciso caminhar juntos e não ficarmos parados no tempo, para que a comunicação da Boa-Nova de Jesus tenha sucesso e os fiéis encontrem no coração a resposta que necessitam. 

CAPITULO II

A necessidade do profetismo Político

Igreja e Política

11. O empenho do cristão no mundo em dois mil anos de história manifestou-se seguindo diversos percursos. Um deles concretizou-se através da participação na ação política: os cristãos, afirmava um escritor eclesiástico dos primeiros séculos, “participam na vida pública como cidadãos”. A Igreja venera entre os seus Santos numerosos homens e mulheres que serviram a Deus através do seu generoso empenho nas atividades políticas e de governo. [4] No ensinamento de Francisco: “Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum.” [5]

12. Urge, assim, iluminar a Igreja com um profetismo comprometido com a causa do Reino de Jesus. Para isto, é preciso sair de um comodismo alienante, que faz-nos fechar em nosso mundo eclesiástico, e ir de encontro às diversas demandas que a vida em sociedade faz surgir. Comprometer-se com a política é um dever e obrigação moral do cristão, que deve fazê-lo inspirado na caridade de Cristo. A presença dos cristãos nos agrupamentos humanos seja animada daquela caridade com que Deus nos amou, e com a qual quer que também nós nos amemos uns aos outros.

13. Efetivamente, a caridade cristã a todos se estende sem discriminação de raça, condição social ou religião; não espera qualquer lucro ou agradecimento. Portanto, assim como Deus nos amou com um amor gratuito, assim também os fiéis, pela sua caridade, sejam solícitos pelos homens, amando-os com o mesmo zelo com que Deus veio procurá-los. E assim como Cristo percorria todas as cidades e aldeias, curando todas as doenças e todas as enfermidades, proclamando o advento do reino e Deus, do mesmo modo a Igreja, por meio dos seus filhos, estabelece relações com os homens de qualquer condição, de modo especial cm os pobres e aflitos, e de bom grado por eles gasta as forças. Participa nas suas alegrias e dores, conhece as suas aspirações e os problemas da sua vida e sofre com eles nas ansiedades da morte, trazendo-lhes a paz e a luz do Evangelho. [6]

14. Ainda no ensinamento de Francisco: é preciso “Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade. Com efeito, um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no «campo da caridade mais ampla, a caridade política». Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social. Convido uma vez mais a revalorizar a política, que «é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum». [7]

15. A Igreja enquanto Instituição não deve nunca se misturar com a política partidária e militante. O tempo em que existia uma união entre Igreja e Estado já passou, de modo que a Igreja apenas orienta os fiéis - e a sociedade civil de modo geral- sobre caminhos possíveis a ser trilhados, pautados na ética do evangelho. Contudo, individualmente, enquanto cristãos e membros da mesma sociedade, podemos e devemos exercer nela nosso profetismo político, engajando-nos nas causas que refletem a causa de Jesus: a defesa dos marginalizados, empobrecidos e injustiçados. Os “órfãos e viúvas” de nosso tempo. Se enquanto Instituição, a Igreja é e deve ser apartidária, enquanto membros da mesma Igreja, e seguidores de Jesus, temos sim que nos envolver ativamente na política, de modo a iluminar o mundo com a caridade de Cristo. Cuide o clero de manter o equilíbrio nessas relações, de modo a ter em mente quando estão representando a Igreja e quando estão exercendo seu direito e dever cidadão.

Relativismo e Fé

16. O tempo que vivemos é invadido por diversos modos de pensar e agir, entre os quais se destaca o relativismo. Esta corrente de pensamento entende que nada podemos afirmar a respeito de algo, porque tudo é relativo e depende do ponto de vista de cada um, portanto, podendo incorrer num subjetivismo sem limites. Segundo este modo de pensar, não existe o certo e o errado, o positivo e o negativo; existem opiniões diferentes e justapostas. Portanto, uma determinada pessoa pode considerar algo como certo e outra pode considerá-lo errado, não havendo como definir quem tem razão. Os relativistas acham que ninguém tem autoridade para ensinar aos outros o bem e o mal, o moral e o imoral. Muitos vivem sem referências de valores e princípios pelos quais procuram orientar-se. O certo e o errado tornaram-se conceitos vagos, pois cada um escolhe e decide como quer. 

17. Enquanto Igreja, embora reconhecendo o devido respeito à concepções filosóficas e culturais diferentes, não podemos negar a Verdade da Fé que cremos e, portanto, todo conteúdo da Revelação Divina contido nas Escrituras Sagradas, na Sagrada Tradição e no Magistério da Igreja. Neste sentido alerta-nos a Igreja: “O individualismo penetra até mesmo em certos ambientes religiosos, na busca da própria satisfação, prescindindo do bem maior, o amor de Deus e o serviço aos semelhantes. Oportunistas manipulam a mensagem do Evangelho em causa própria. Já não é mais a pessoa que se coloca na presença de Deus, como servo atento (1 Sm 3,9-10), mas é a ilusão de que Deus pode estar a serviço das pessoas”. [8]

18. Apesar disso, é possível construir e congregar com aqueles que que pensam e acreditam em algo diverso de nós. O Deus que cremos nos fez para unidade, e não podemos limitar seu poder e ação que se manifesta de outras diversas formar, para além de nossa compreensão.É importante termos clareza do que Jesus nos ensinou no Evangelho, por palavras e pelo modo de vida, cheio do espírito da gratuidade, da alteridade, da paz e da justiça, caminho totalmente oposto ao individualismo egoísta. Seu Mandamento Novo, que ensina o Amor-serviço e nos reúne em comunidades evangelizadoras a serviço do Reino, será sempre nossa referência maior: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos… O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (cf. Jo 15, 13 e 17). Os valores que nos orientarão na vida se inspirarão sempre neste Evangelho. Será a Palavra de Deus a nos guiar, qual luz em nosso caminho (Sl 119, 105)”. [9]

CAPÍTULO III

Diálogo para uma nova cultura

Ecumenismo

19. Outro ponto de tradicional de embate no diálogo teológico e filosófico é a relação da Igreja frente às outras tantas denominações cristãs. À este respeito, São Paulo VI já proclamava em seu decreto sobre o Ecumenismo: “A solicitude na restauração da união vale para toda a Igreja, tanto para os fiéis como para os pastores. Afeta a cada um em particular, de acordo com sua capacidade, quer na vida cristã quotidiana, quer nas investigações teológicas e histéricas. Essa preocupação já manifesta de certo modo a união fraterna existente entre todos os cristãos, e conduz à unidade plena e perfeita, segundo a benevolência de Deus”. [10]

20. É preciso conhecer a mente dos irmãos separados. Para isso, necessariamente se requer um estudo, a ser feito segundo a verdade e com animo benévolo. Católicos devidamente preparados devem adquirir um melhor conhecimento da doutrina e história, da vida espiritual e litúrgica, da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos. Muito ajudam para isso as reuniões de ambas as partes para tratar principalmente de questões teológicas, onde cada parte dever agir de igual para igual, contanto que aqueles que, sob a vigilância dos superiores, nelas tomam parte, sejam verdadeiramente peritos. De tal diálogo também se ver mais claramente qual é a situação real da Igreja católica. Por esse caminho se conhecer outrossim melhor a mente dos irmãos separados e a nossa fé lhes ser mais aptamente exposta. [11]

20. Para a realidade habbliveana de nossa Igreja, cumpre ressaltar o proveito que o sadio convívio com as Igrejas de outros hotéis pode ter, desde que haja abertura de coração de ambos os lados para o acolhimento da mensagem de Jesus, deixando de lado tudo aquilo que se torna causa de contradição: inveja, espírito de competição e disputa, carreirismos e ciúmes. A respeito disso, alertava o Papa Júlio Magno, em sua homilia de entronização pontifícia:

É verdade que muitos e muitas se aproximaram de Deus e da Igreja por causa do que nós fazemos. Mas nós temos potencial para muito mais, se fossemos mais unidos, se nos destituíssemos de todo jogo pelo poder. Como seria bonito se TODAS as Igrejas, dos mais diferentes hotéis (Habbo, Habblive, Hablet, Iron e tantos outros que houver) entendessem que o que fazemos é a mesma coisa. Que o objetivo é o mesmo. Por que causar intrigas? Por que causar invejas? Por que agir de forma a roubar clérigos ou fieis de um lugar pro outro? Pra que? Pra ter sucesso em seu projeto pessoal e ter seu ego massageado???? Mesmo que constituindo Igrejas diferentes, nos mais diversos hotéis, pra que fomentar um clima de hostilidade entre cleros, como se fossemos inimigos? Isso só demonstra que muitos dos que aqui estão, não estão por causa de Cristo e do Evangelho coisíssima nenhuma! [12]

Diálogo Inter-religioso a serviço da Fraternidade

21. As várias religiões, ao partir do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade. O diálogo entre pessoas de diferentes religiões não se faz apenas por diplomacia, amabilidade ou tolerância. Como ensinaram os bispos da Índia, «o objetivo do diálogo é estabelecer amizade, paz, harmonia e partilhar valores e experiências morais e espirituais num espírito de verdade e amor». [13]

22. O culto sincero e humilde a Deus «leva, não à discriminação, ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de todos». Na realidade, «aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor» (cf. 1 Jo 4, 8). [14]

CAPÍTULO IV

Causa para os Santos

23. Todos nós somos chamados à Santidade. “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (cf. Lv 19,2). Esta proclamação bíblica evoca em nós o profundo sentimento de compromisso e de conversão, pois nossa condição pecadora faz com que nos afastemos daquele ideal proposto pelo Senhor. Jesus também diz: “Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!” (cf. Mt 5, 48). Ora, esta exortação é precedida pelo conhecido “sermão da montanha”, onde Jesus expõe o caminho para vivência desta santidade. A santidade, constitui assim, um autêntico desprendimento de si mesmo, colocando em prática o amor-serviço. Neste caminho, nós somos auxiliados pelo próprio amor de Deus, que olha nossa fraqueza e nos ergue a cada queda. Assim, ser santo é se esforçar para pôr em prática o mandamento do amor, apesar nossas quedas e fracassos. Perfeito, segundo a logica do evangelho, não é aquele que não erra, mas é aquele que mesmo errando, esforça-se com retidão de coração pelo caminho do bem.

24. Historicamente, a Santa Igreja reconhece a honra a dignidade e santidade daqueles homens e mulheres que viveram de tal forma sua vocação cristã, que servem de modelo e exemplo para todos os cristãos. Estes, elevados à dignidade dos altares e ao culto de “Dulia” (veneração), são reconhecidos como nossos intercessores junto à Divina Majestade. Não é a Igreja, que no ato da canonização transforma alguém em santo. Ela só ratifica a reconhece a santidade daquela pessoa, pois reconhece que sua vida pode motivar e ajudar a muitos em sua vivência de fé.

25. Apesar disto, não cabe a nós – em nossa realidade virtual – reconhecer a santidade e “canonizar” novos santos para o culto e veneração. Tal ato é demasiado sério para ser transportado para nossa realidade virtual e fica, portanto, banido. 

CAPITULO V

A comunhão enquanto presença real do Senhor e suas implicações da realidade virtual

26. A Eucaristia, memorial do Senhor, é o ponto central de nossa fé. Querendo se perpetuar em nosso meio de modo material, quis o Senhor na última Ceia instituir o Sacrifício Eucarístico para o nosso alimento e sustento. Por meio da Eucaristia, recebemos verdadeiramente o Corpo e Sangue do Senhor e, com os irmãos, participamos do Banquete os Eleitos.

27. O pão e vinho não deixam de ser pão e vinho pela consagração do sacerdote. Não é isso que a palavra transubstanciação quer dizer. A matéria permanece a mesma. Porém, esse pão e vinho “eucaristizados” são agora, verdadeiramente e não simbolicamente, corpo e sangue de Jesus. Em todas as narrativas da instituição sacramental da Eucaristia, Jesus diz “Isto é o meu corpo! Isto é o meu sangue!”. Ele não diz isso simboliza meu corpo e sangue. E ainda, institui a Eucaristia como memorial de sua entrega na cruz. Memorial aqui não quer dizer fazer memória, lembrar de um fato passado. Mas, na perspectiva judaica, é atualizar, tonar presente o mistério que se celebra. A Igreja crê verdadeiramente que em cada celebração eucarística, ao consagrar a matéria do pão e vinho, ali se torna presente o corpo e sangue do Senhor. Como anuncia a própria oração eucarística: esse é o mistério da fé. Mistério do amor perfeito de um Deus tão grande que, morto e ressuscitado por suas criaturas, se faz tão pequeno nas espécies frágeis do pão e vinho consagrados. A Eucaristia é presença do Senhor ressuscitado, pois se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria nossa fé (cf. 1Cor 15,14).

28. Sabemos que, em nossa realidade virtual NÃO existe essa presença real. A transubstanciação não acontece pois nem mesmo a matéria da oferenda (pão e vinho) se fazem presentes de forma física e real. Aqui é preciso ter claro que, enquanto Igreja somos uma representação da Igreja Católica nesta realidade virtual. Através da repetição dos ritos e das práticas exteriores da fé católica, almejamos um autêntico apostolado virtual que dê frutos – como já tem dado ao longo dos anos – para a vivência de fé na realidade.

Consagração na missa. Sentido teológico

29. Por causa desse entendimento de nossa ação evangelizadora no campo virtual, consolidou-se no passado o entendimento de omitir as palavras da consagração na missa “Tomai todos e comei; Tomai todos e bebei”, por serem consideradas palavras demasiadamente sagradas para serem proferidas em vão. Contudo, se formos levar este conceito de grau de sacralidade em consideração, não seria apenas a consagração que deveria ser omitida, mas a missa em sua totalidade bem como os demais sacramentos. É preciso compreender, e é este o entendimento dos padres conciliares, que ao realizar algum serviço litúrgico e sagrado na realidade virtual, não o estamos fazendo para simular os sacramentos, ou acreditando de verdade que o que fazemos é válido. Este seria um erro gravíssimo. Mas, quando celebramos a missa e os demais sacramentos, estamos repetindo exteriormente algo sensível à memória de quem assiste que logo entenderá se tratar da Igreja Católica Romana.

30. Assim, pela repetição dos atos externos de nossa fé católica, almejamos divulgar, com a ajuda do Espírito Santo, a verdade de fé que cremos e professamos. Sendo a Eucaristia um dos pilares centrais de nossa fé, busquemos celebra-la e representa-la de tal modo que gere verdadeiros frutos de conversão. Isso só será possível se aliado à uma prática verdadeiramente acolhedora e transformadora. O que importa aqui é que, através de uma devoção eucarística dotada de sentido substancial, possamos viver nossa fé de maneira concreta, excluindo os individualismos e fundamentalismos. Quem participa de verdade do Banquete Eucarístico compreende essas coisas, não se fecha em si mesmo, mas faz de toda sua vida uma autêntica comunhão. 

CONCLUSÃO

31. “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13, 35). Os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que servir sempre com maior generosidade e eficácia os homens do mundo de hoje.” [15] Isso se dá através do reconhecimento das suas necessidades, angústias e feridas espirituais. Reconhecer isto proporcionará um anuncio do evangelho contextualizado com o mundo e mais próximo da realidade das pessoas. Ao se encarnar e fazer-se um nós, Deus mostrou-se um ser próximo de nossa condição humana. Partilhou conosco as dores e angustias, esperanças e alegrias, desejos e tentações. Se Ele, sendo Deus, dignou-se a tal ato, não podemos ser uma Igreja que anuncie um Deus distante e castigador, alheio às nossas dores. Ele caminha e quer caminhar no meio de nós. Que a Igreja seja um autêntico Sacramento da Comunhão do amor de Deus!


+ BENEDICTUS PP.
PONTIFEX MAXIMVS



+ Carlos Card. Montana
+ Gregório Andreolli Card. Magnus
+ Jorge Card. Orsini
+ Joseph Card. Ghislieri
+ Marcus Antonius Card. Di Vegesela
+ Marcus Nunes Card. di Montserrat
+ Gabriel de Orleans e Bragança
+ Antônio Llovera


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REFERÊNCIAS:


[1] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et Spes 3
[2] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Sobre a atividade Missionária da Igreja Ad Gentes 22
[3] Carta "Maximus et conservatismus mor Fidei" | Congregação para a Doutrina da Fé 15 jan. 2022. Disponível em: <https://asantase-habblive.blogspot.com/2022/01/artigo-de-orientacao-tradicionalismo-e.html>
[4] Nota Doutrinal | Congregação para a Doutrina da Fé- Sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política. 24 nov. 2002
[5] FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti- sobre a Fraternidade e a Amizade Social, 154
[6] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Sobre a atividade Missionária da Igreja Ad Gentes 12
[7] FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti- sobre a Fraternidade e a Amizade Social, 180
[8] DGAE 2011-2015, n. 22; cf. tb. DGAE 2015-2019, n 25 e DAp n. 479-480
[9] Dom Aloísio A. Dilli, CNBB. O perigo do relativismo religioso, 29/01/2019
[10] Conc. Ecum. Vat. II, Dcr. Sobre o Ecumenismo, Unitatis Redintegrati 5
[11] Idem. 9
[12] JULIO, Homilia da Missa Inaugural do Pontificado e Posse em Latrão, 30/12/2020. Disponível em: <https://asantase-habblive.blogspot.com/2020/12/homilia-do-papa-julio-missa-inaugural.htm>
[13] FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti- sobre a Fraternidade e a Amizade Social, 271
[14] Idem, 283
[15] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et Spes 93