RETIRO ESPIRITUAL DE NATAL
CÚRIA ROMANA
06, 07 e 08 de Novembro 2023
''DESPOJADOS DE NÓS, SERVOS POR AMOR''
Pregações de D. Marcus A. Di Vegesela- Pregador da Casa Pontifícia
I Pregação- 06/11
''Redescoberta da natureza hierárquica e
carismática da Igreja e a cultura do carreirismo e do comodismo''
Do
Evangelho de São Marcos (Mc 10, 35-45)
Tiago
e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e disseram: “Mestre,
queremos que nos faças o que vamos te pedir”. “O que vocês querem que eu lhes
faça?”, perguntou ele. Eles responderam: “Permite que, na tua glória, nos
assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda”. Disse-lhes Jesus: “Vocês
não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo
ou ser batizados com o batismo com que estou sendo batizado?” “Podemos”,
responderam eles. Jesus lhes disse: “Vocês beberão o cálice que estou bebendo e
serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado; mas o
assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses
lugares pertencem àqueles para quem foram preparados”.
Quando
os outros dez ouviram essas coisas, ficaram indignados com Tiago e João.
Jesus os chamou e disse: “Vocês sabem que aqueles que são
considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes
exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem
quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser
ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do
homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por
muitos”.
Palavra da Salvação.
Amado
Pastor, Papa Otávio Augusto,
Prezados
irmãos e irmãs, membros e participantes deste retiro anual da Cúria Romana;
Nesta
noite iniciamos o primeiro dia deste retiro, sendo já provocados com um tema
tão sensível a nós: ''Redescoberta da natureza hierárquica e carismática da
Igreja e a cultura do carreirismo e do comodismo''.
A
natureza hierárquica da Igreja deve ser entendida a partir do evangelho
que acabamos de ouvir: Tiago de João, membros do privilegiado grupo dos doze, o
Colégio Apostólico, pedem à Jesus um lugar de destaque. Diante disso, Jesus
responde categoricamente que, estar ao seu lado e assumir tamanha
responsabilidade, não é uma condecoração de honra, mas significa se comprometer
com o Reino até as últimas consequências. Significa assumir um fardo maior. E
a quem muito é dado, muito será cobrado! Enquanto clérigos e membros desta
Cúria, podemos nos sentir tentados a cair no pecado da soberba, nos achando
mais privilegiados que os demais membros da Igreja. Ora, na verdade esta
posição exige de nós maior preocupação e cuidado.
“Entre
vós não pode ser assim”, diz Jesus aos apóstolos. Entre nós não pode haver
desejo de carreirismo, desejo de acumular títulos de honra, desejo de
conseguir mais poder. O Papa Francisco já alertou certa vez de que o padre
carreirista é, em última análise, um traidor, não é um servidor. Ele busca o
que lhe interessa e não faz nada pelos outros”.
Entre
nós não podem se alimentar os sentimentos de inveja, de rancor, de vingança
contra os irmãos. Infelizmente isso ainda existe muito entre nós. É preciso fazer
um “mea culpa”, reconhecer nossas debilidades e, apoiados no Cristo que nos
move, mudar! O Colégio Apostólico não tem este nome atoa. É COLÉGIO, pois o
sentimento comum entre nós deve ser de colegialidade, de respeito, de diálogo e
de ajuda mútua. Uma autêntica Comunidade de servidores da Igreja! Afinal, se um
Reino se divide contra si mesmo, está fadado ao fracasso (cf. Mt 12, 25). Se
este colégio se dividir entre si mesmo, como poderá a Igreja se sustentar?
Sejamos exemplo!
Finalmente,
o nosso serviço pode também cair na tentação do comodismo. E quando isso
acontece, morre em nós aquela vocação primeira de nosso chamado, pois
acomodar-se é deixar perder-se a chama que nos move. O que tem movido você
nessa missão no serviço nesta Cúria? Será que temos tido a experiência para
além dos escritórios, no contato com o povo santo e fiel de Deus? Temos parado
para ouvir as pessoas, suas inquietações, suas alegrias, suas angústias? Temos
nos permitido abrir espaço para que as pessoas entrem em nossa vida e em nossos
ministérios? Nada disso que aqui fazemos terá sentido se este povo não for
atingido. Relações reais! Pessoais reais! É preciso, renovar-se, aproximar-se,
construir relações reais de proximidade, amizade com a pessoas deste jogo. Ser
pastores, ao estilo de Jesus, é ser próximo, acolhedor e misericordioso. Isto é
ser semente fecunda do Reino, é fazer da vida um sacerdócio, um serviço. Pois é
para isto que o Mestre nos chamou e enviou!
O
Serviço, “é a virtude própria de quem preside, é a coisa que Jesus deixou aos
pastores da Igreja, como sua herança mais querida. Todos os carismas, vimos,
estão em função do serviço; mas de maneira bem particular assim está o carisma
de “pastores e mestres” (cf. Ef 4,11), isto é, o carisma da autoridade. A
Igreja é “carismática” para servir e é também “hierárquica” para servir!" [1]
Por fim, solicito que cada um faça um exame de consciência em seu íntimo: que tipo de servidor da Cúria eu tenho sido? Um apegado à hierarquia nos títulos e cargos; ou entendendo a hierarquia como serviço? Um carreirista, preocupado com os postos que ocupo? Um acomodado, esquecendo do principal que é o contato com o povo fiel? Pensemos!
Referências:
JULIO
MAGNO, Homilia Consistório de Criação Cardinalícia, 05 jan 2021
FRANCISCO,
Colóquio do Papa Francisco com sacerdotes e seminaristas que estudam em Roma,
24 out 2022
[1] CANTALAMESA, Frei Raniero Cardeal; Dei-vos o exemplo: Quinta Pregação, Quaresma de 2022