II RETIRO ESPIRITUAL DE NATAL DA CÚRIA ROMANA
Vaticano, 17 de Novembro de 2023.
PRIMEIRA PARTE
INTRODUÇÃO
1. A temática do encontro com Jesus Cristo é prioritária para afirmar a exigência do discipulado. Cada pessoa que deseja seguir os passos de Jesus Cristo e vir em seu seguimento deve estabelecer um encontro pessoal com Ele, um encontro que faça surgir um verdadeiro cristão, que estabeleça vínculos. Encontro que não venha apenas de uma decisão ética ou de uma grande ideia, mas que produza um acontecimento, um relacionamento pessoal, uma orientação para a vida inteira. Esse encontro deve ser verdadeiramente um encontro de fé com a pessoa de Jesus Cristo para que, fascinados pelo Mestre, desejemos permanecer com ele. É também desse encontro que acontece a verdadeira conversão, pois, sem ela, não acontece o discipulado, e a missão não cumpre a sua meta. “O seguimento do discípulo é ‘ir atrás’ de Jesus com fidelidade e coerência na colocação em prática de sua mensagem”.
2. A escolha desse tema é significativa e, ao mesmo tempo, profundamente teológica. Quer ser um instrumento para todos aqueles que desejam conhecer Jesus Cristo e segui-lo decididamente, pois, só se torna um cristão autêntico aquele que fez opção por Cristo, por seus gestos, por suas atitudes e por suas palavras. Somente quem fez um encontro pessoal com Ele pode assumir essa opção radical de conversão, comunhão e solidariedade.
3. Pastoralmente, também vemos que não há outra maneira de exercer e de buscar uma verdadeira evangelização sem antes promover um encontro e passar por um processo de experiência pessoal com Cristo e com seu evangelho, percebendo sua presença na história, na vida do povo, para, assim, tornarmo-nos homens verdadeiramente novos e apóstolos dessa mesma boa-nova redentora.
4. Nosso trabalho pretende estudar o presente tema a partir dos tratados dogmáticos da fé católica a fim de que se obtenha com maior profundidade uma consciência madura e coerente da missão evangelizadora. A temática do encontro com Jesus Cristo nos faz perceber a urgente provocação da Igreja nos últimos tempos, em todos os seus âmbitos: é Ele nosso ponto de partida e nossa meta a ser alcançada.
5. Estudaremos o tema em três partes principais, divididas em capítulos. Primeiramente, refletiremos sobre a presença de Deus, que vem ao encontro do homem para salvá-lo. Ao contemplar a criação, vemos a beleza e a presença de Deus. O homem, criado por Deus e para Deus, é chamado a viver essa presença amorosa e, ao mesmo tempo, a reconhecer o divino, que vem ao encontro do humano a fim de torná-lo, à sua imagem e à sua semelhança, participante da vida da graça e de chamá-lo a ser responsável pela criação, transmitindo vida e utilizando-se dos bens criados para o seu bem e de todos os seres.
6. Ainda estudaremos nessa parte a temática do encontro entre Deus e o homem. A partir da Revelação, o divino mostra-se ao humano e vem ao seu encontro. Entretanto, nem sempre o homem responde positivamente a essa iniciativa de Deus, que vem ao seu encontro: muitas vezes, pelo pecado, o homem apega-se às criaturas e destrói as obras do criador, estabelecendo uma ruptura entre o humano e o divino.
7. Mesmo assim, Deus, em seu amor, continua a fazer-se presente na vida do homem e deseja salvá-lo. Estabelece um reencontro por meio da Aliança, assim como fez com Abraão, nosso pai na fé: constitui um relacionamento com o homem a fim de conduzi-lo à libertação, através de Moisés, sendo presença constante e estabelecendo um encontro que gere um verdadeiro conhecimento de seu amor e de sua ação libertadora por parte dos homens, a fim de que assumam um verdadeiro caminho de seguimento.
8. No segundo capítulo, vamos desenvolver um estudo sistemático sobre o encontro com Jesus Cristo, visto como caminho para uma formação integral daqueles que verdadeiramente desejam segui-lo, ou seja, tornarem-se seus discípulos. Se o Espírito de Jesus se manifesta no modo concreto como Ele viveu, só na medida em que o seguimos, isto é, em que vivemos como ele viveu, em que reproduzimos/atualizamos seu modo de vida (seguimento) somos seus discípulos.
9. A partir do encontro com Jesus Cristo, tomamos consciência da nossa fé, da alegria e da coerência que ela nos proporciona, a fim de que sejamos conscientes de que somos discípulos e missionários de Cristo, de que é Ele que nos envia ao mundo para anunciar e testemunhar nossa fé e amor.
10. O Cristo, que se encarnou e se fez homem para que nós pudéssemos participar de sua divindade, convida-nos a assumir essa realidade de amor e a viver um encontro pessoal com Ele. Tal encontro não é ideológico, mas um encontro pessoal e edificante que nos leva a compreender nossa vocação batismal como caminho de conversão e comunhão.
11. Não podemos nos esquecer que essa opção é de uma Igreja verdadeiramente discipular e missionária. “A opção pelo pobre é um componente fundamental do seguimento a Jesus”. Finalmente, estudaremos sobre o tema Maria no encontro com Jesus Cristo. Maria nos conduz a esse encontro de comunhão e de serviço. Ela é exemplo para os seguidores de Jesus Cristo, e mostra que o verdadeiro encontro com Ele nos impulsiona para o serviço. Desse modo, nossa intenção é constatar que a temática do encontro com Cristo perpassa todos os âmbitos teológicos. Desenvolvendo este estudo de maneira sistemática e programática, lançamo-nos quais peregrinos nessa estrada e assumimos o desejo dos gregos que disseram a Filipe: “Queremos ver Jesus!” (Jo 12, 21). Tal são o objetivo do nosso percurso e, como discípulos, reconhecemos a importância dessa exigência.
SEGUNDA PARTE
DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM PARA SALVAR
1. Desde o princípio, o Deus Criador, amorosamente, fez-se presente na vida do seu
povo, Israel. Ao fazer memória da sua história, o povo entende que Deus é presente, que
sempre caminha à sua frente, guiando-o e protegendo-o. Essa presença dá-se através desse
divino encontro, em que muitos acolhem-no na fé e na esperança, e outros incompreendem-no
e, até mesmo, rejeitam-no.
2. Somos, desde o início, um povo peregrino e testemunhas da presença de Deus
sempre atuante em todo o nosso caminhar. Deus, por livre decisão, revela-se e doa-se ao
homem. Revelando-se, Deus manifesta a sua vontade e essa é a de que sejamos capazes de
conhecê-lo e amá-lo a partir de um encontro vivo com Ele.
Por isso, Deus fez-se presente na história humana e manifestou a todos os povos, de
todos os tempos e das mais variadas culturas, a sua presença amorosa. Sua vontade é que
sejamos salvos, ou seja, participemos de sua vida e sejamos conduzidos à sua plena presença
salvadora e eterna.
TERCEIRA PARTE
O REENCONTRO COM DEUS
1. A aliança é um elemento teológico fundamental para que possamos compreender a
história de Israel, um povo que rompe sua relação com Deus, mas que depois caminha com
Ele e sente-se eleito e escolhido. O encontro que Deus realiza com o povo de Israel quer ser
um encontro de salvação: Deus toma a iniciativa de salvar.
2. A Salvação que Deus oferece a Israel exige uma resposta. Todo encontro exige uma
acolhida da parte de quem recebe o convite para se encontrar. Deus vem ao encontro do povo
para salvá-lo e esse, por sua vez, responde livremente com fidelidade, mediante seu
compromisso ético, religioso e cultural. A participação do homem é essencialmente
significativa, pois a infidelidade para com esse encontro, ou seja, para com a aliança, leva-o a
essa ruptura. Porém, constatamos que Deus aproxima-se novamente do homem: ele estabelece
um reencontro com o ser humano, oferecendo uma nova aliança. Israel é convidado a olhar
constantemente para as alianças feitas, no passado, para assim entender sua situação perante
Deus.
3. Desde o início da história do povo de Israel, vemos a presença de Deus atuante. Ele
quer salvar, porém, exige fidelidade. “Deus estabelece relacionamento pessoal com o homem.
O homem responde pessoalmente à proposta de Deus”. Portanto, inicia-se um reencontro
entre Deus e o homem, um reencontro que promove o relacionamento pessoal e existencial.
4. Esse relacionamento se concretiza por meio da Palavra; poderíamos assim chamá-lo
de tempo da Palavra. “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos pais pelos
profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu
herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2). Deus falou-nos por meio
da Palavra dos profetas e por meio de seu Filho, Plenitude do tempo da Palavra. Tal é a
história profética, a da antiga aliança, na qual percebemos a linguagem de Deus que sempre
fala aos homens. “É através da palavra que se realizam todos os grandes inícios da história da salvação: assim foi com a vocação de Abraão: “Javé disse a Abraão [...]” (Gn 12,1), assim foi
com a de Moisés [...] ”.
5. Deus falou com os profetas. Estabeleceu um relacionamento com eles a partir de um
encontro. Esse encontro gerou neles uma escuta atenta e sensível da Palavra de Deus, certos
de serem fiéis à sua vontade, respondendo com aceitação à sua proposta.
Assim foi com Abraão. A Palavra de Deus foi dirigida a ele numa visão e disse:
“Não temas, Abraão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande” (Gn 15, 1).
Deus estabelece com ele uma aliança e promete-lhe uma grande e constante recompensa.
Ainda mais, promete-lhe uma descendência. Abraão responde com fé. Sua confiança lhe
proporciona um encontro de relacionamento com Deus, encontro que é representado da
maneira do seu tempo à maneira mais comum usada no Antigo Oriente: “repartir o animal no
meio e caminhar entre as partes separadas ligava as partes em aliança” . O fogo que ali
termina a celebração da aliança é sinal da presença de Deus. “Quando o sol se pôs e
estenderam-se as trevas, eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre
os animais divididos. Naquele dia, Iahweh estabeleceu uma aliança com Abraão...” (Gn 15,
17-18a).
6. A aliança realizada com Abraão expressa um Deus presente a atuante na vida do seu
povo. “Abraão e os seus percebem uma presença ativa que fica além das formas, sem se
identificar com elas”. Deus vai estabelecendo um relacionamento na vida de Abraão,
mediante sua presença. O encontro dá-se de maneira gradativa, revelando-se pouco a pouco,
estabelecendo sua aliança. Isso significa que o povo de Israel também foi percebendo a
proximidade de Deus e de sua vontade ao longo da história.
Abraão recorda-nos de que Deus estabelece um reencontro com cada um de nós,
fazendo-se presente e confiando-nos uma promessa. Estabelecendo uma aliança conosco, ele
exige de nós uma resposta com fidelidade. “Bendizemos a Deus pelo dom da fé que nos
permite viver em aliança com Ele até o momento de compartilhar a vida eterna”.
CONCLUSÃO
1. Vinde e vede! Jesus nos convida ao encontro pessoal com ele. Vinde! Ir a seu
seguimento, assumir o discipulado e a missão a partir de uma experiência concreta de vida
com ele. Vede! Contemplar a suavidade do Senhor, mas, ao mesmo tempo, assumir sua opção
e a causa do evangelho, muitas vezes com perseguições e desafios. Ele está conosco! Não nos
abandonou; pelo contrário, permanece conosco para sempre (cf. Jo 14, 16).
2. Neste pregação, procuramos trabalhar a temática do encontro com Jesus Cristo e
observamos como esse encontro foi sendo construído no desenvolvimento da própria história
da salvação do povo de Deus. A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a
presença de Jesus Cristo e segui-lo. Essa foi a maravilhosa experiência
daqueles primeiros discípulos que, encontrando Jesus, ficaram fascinados e
cheios de assombro frente à excepcionalidade de quem lhes falava, diante da
maneira como os tratava, coincidindo com a fome e sede de vida que havia
em seus corações.
3. Deus veio ao encontro do seu povo desde o princípio e concedeu ao homem a graça
de estar sempre com Ele; O encontro entre o humano e o divino.
Nesse encontro, Deus sempre se revelou, manifestou-se de diversas formas e,
definitivamente, na Encarnação do Verbo Divino, Jesus Cristo. Ao longo da história, nós
podemos vivenciar esse encontro com o Senhor, pois ele fez-se homem e elevou-a a mais alta
dignidade. Assim, Ele se fez Senhor do tempo e da história.
4. Nesse retiro, procuramos observar, estudar, refletir, discernir, sentir e reconhecer
as exigências e características do encontro vivo e pessoal com Jesus Cristo, que nos insere, no
verdadeiro discipulado, no caminho da realização plena, na vivência dos verdadeiros valores.
Fomos criados para esse encontro de amor e de vida, de estar constantemente na
presença de Deus e sermos verdadeiramente transformados e revigorados.
5. O encontro com Jesus Cristo é, para o verdadeiro cristão, dom e tarefa. Dom
porque ele se oferece gratuitamente; é um fato, ele veio ao nosso encontro. Tarefa porque
exige a participação afetiva e efetiva do homem, que deve desejar e buscar a Cristo.
No encontro com Jesus Cristo o homem reconhecerá a sua verdadeira realização;
uma vivência autêntica e radical do amor salvador. Nada substitui o encontro pessoal, pois
Cristo não é uma idéia. Ele é uma pessoa que vai ao encontro de outra pessoa.
É preciso ir ao encontro e desejar ser encontrado pelo Senhor. Somente com esse
desejo puro e sincero poderemos superar o individualismo e o imediatismo. Renunciando a
cultura do superficial e do provisório.
Em Cristo Jesus;
+ Dom Leonardo Card. Dall Osto
Pregador da Casa Pontifícia.
Pregação do Cardeal Leonardo Dall Osto, em 17 de Novembro de 2023, por ocasião da Abertura do II Retiro Espiritual de Natal da Cúria Romana, na Sala Clementina, Palácio Apostólico, no Vaticano.