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Artigo Nº. 001/ Sobre o Âmbito Eclesial | Congregação para o Concílio Vaticano I


DOM LEONARDO CARDEAL DALL OSTO
POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA
CARDEAL DIÁCONO DI SANCTE MICHAEL ARCHANGELE
PREFEITO DA CONGREGAÇÃO PARA O CONCÍLIO VATICANO I

Artigo Nº. 001 | Sobre o Âmbito Eclesial

Promover a restauração da unidade entre todos os cristãos é um dos principais propósitos do sagrado Concílio Ecuménico Vaticano I. Pois Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia, são numerosas as Comunhões cristãs que se apresentam aos homens como a verdadeira herança de Jesus Cristo. O Senhor dos séculos, porém, prossegue sábia e pacientemente o plano de sua graça a favor de nós pecadores. Começou ultimamente a infundir de modo mais abundante nos cristãos separados entre si a compunção de coração e o desejo de união. Por toda a parte, muitos homens sentiram o impulso desta graça. Também surgiu entre os nossos irmãos separados, por moção da graça do Espirito Santo, um movimento cada vez mais intenso em ordem à restauração da unidade de todos os cristãos. 

I - INTRODUÇÃO

O ar de "atualização" que sopra na Igreja Católica Apostólica Romana, presente no Habblive, investida pela vontade do papa de iniciar um processo sinodal  em todos os níveis, desde o universal ao diocesano e paroquial, parece evocar a tensão que existia no alvorecer do Concílio Vaticano I. As expectativas são muitas, também porque a crise que está sacudindo a comunidade católica é profunda e sistêmica. Uma sombra perigosa, porém, domina esse envolvimento geral do "povo de Deus": a desilusão. Após as desilusões decorrentes de um processo de atualização conciliar que ficou inacabado, suscitar novas expectativas corre o risco de provocar, se não atendidas, a amarga constatação de que a instituição eclesiástica é refratária a qualquer renovação.

Esses termos fazem parte do seu (igreja)  vocabulário cotidiano, quase como sinônimos, construindo uma nova linguagem eclesial, na qual a expressão “igreja em saída” tornou-se um paradigma eclesiológico. A linguagem é fundamental na expressão do universo semântico no qual o Evangelho é compreendido. E não é uma questão meramente teórica. A linguagem explicita o contexto sociocultural e religioso no qual se organiza a vivência concreta da fé nas comunidades. Sobre isso, o Concilio I tem consciência que “A realidade eclesial, pastoral e social dos tempos atuais torna-se um forte apelo a uma avaliação, aprofundamento e abertura do laicato." Requer renovação, mudança, reforma, conversão, em todos os níveis. Essa proposta não é facilmente assimilada no catolicismo, mas aos poucos gera aberturas em instâncias e ambientes católicos, gerando um clima positivo para o diálogo ad intra muito diferente daquele de pouco tempo atrás, quando conceitos como “reforma” e “mudança” soavam como “coisa de protestante” e levantavam suspeitas de toda ordem, inclusive impondo o obsequioso silêncio a quem utilizasse tais conceitos questionando o status quo da igreja. Os fatos são bem conhecidos. Agora, retomando o ensino do Vaticano I de que a igreja precisa de uma “reforma perene”. Papa Bento o autor do Concilio mesmo afirma: "Uma Igreja em saída, missionária e disposta a estar sempre presente na vida e na realidade de seu povo que é também o povo de Deus."

I - CUIDAR DOS POBRES: OPÇÃO PROFÉTICA

Comprometer-se com os pobres é uma opção que a Sagrada Escritura nos apresenta com clareza, quando Deus se pronuncia diante do sofrimento do seu povo: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa de seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso, desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra de que emana leite e mel” (Ex 3,7-8b). É uma opção que Deus faz ao longo da História a ponto de mandar seu Filho, que se identifica com os mais frágeis e desamparados. Jesus viveu inteiramente dedicado aos pobres e marginalizados.

Seguindo os passos de Jesus, o Concílio Vaticano I se caracteriza pelo seu desejo de reforma da Igreja, tornando-se referencial para toda a Igreja e não menos para a Igreja da América Latina. A opção pelos pobres, inspirada pelo Vaticano I, continua sendo a pedra angular do processo de evangelização, pois a opção pelos pobres é uma das características que marcam o rosto da Igreja latino-americana.

Essa opção feita de modo essencial pelos mais desfavorecidos tem sua razão na realidade de pobreza em que vive a maioria da população latino-americana. Tal realidade que se propaga é gerada pela injustiça social e pela injustiça que atinge também o meio ambiente. É o seguimento de Jesus de Nazaré que nos coloca em profética defesa da vida. Muitos são os mártires latino-americanos que, por amor aos irmãos, derramaram seu sangue em favor da vida de todos. A Igreja percorre esse caminho de opção profética pelos pobres e pela Terra, nutrindo a esperança de mudanças estruturais, acreditando em um outro mundo possível onde se realiza mais plenamente a palavra do Senhor de vida em abundância, não só para o ser humano, mas para toda a Terra.

II - ECCLESIA SEMPRE REFORMADA E DE PORTAS ABERTAS

Falar de “mudança” é falar de dinamismo e novidade. Para nós, é o Espírito do Senhor que “faz novas todas as coisas” (Ap 21,5) e está em ação “aqui e agora”, pois os sinais da sua presença operam no mundo, em nossa vida e, constantemente, surpreendem-nos. Falamos então da novidade que o Espírito do Senhor realiza, modelando a vida de cada um, porque o Espírito é contínua novidade que faz desabrochar na pessoa a fantasia da caridade. Depois dos Apóstolos e dos Padres da Igreja, tivemos períodos escuros, mas Deus suscitou homens e mulheres que testemunharam o Evangelho de Jesus para as pessoas do seu tempo.

O desejo de um retorno ao Evangelho transparece nos escritos do Concilio, uma Igreja em saída e de portas abertas. Quer nos mostrar que nós somos Igreja e que, à medida que nos transformamos interiormente, mostramos o verdadeiro rosto da Igreja. Para isso, temos necessidade de cristãos abertos à renovação. 

Cada pontífice contribuiu de modo diferente ao caminho da Igreja e do mundo. Obviamente, como todos os outros, o nosso atual papa se sentiu chamado a manifestar o seu olhar sobre o mundo e sobre a Igreja. Mesmo que não tenha estado presente, ele é um Papa do Concílio Vaticano I, porque sabe colher em profundidade o seu espírito de releitura do Evangelho à luz da experiência contemporânea. Ele sonha uma “Igreja samaritana”, “hospital de campanha”, “casa para todos”.

Renovar e recomeçar, sempre há de ser a partir dos últimos, todos a serviço da fraternidade e da amizade social com o objetivo de incentivar a esperança e o compromisso com a cultura do encontro e do diálogo, pois cada um de nós é chamado a ser um artífice da paz, unindo e não dividindo, extinguindo o ódio em vez de o conservar, abrindo caminhos de diálogo em vez de erguer novos muros.

III - CONCLUSÃO

A Igreja em processo de mudança, que caminha com a História, está aberta para o esforço de inculturar o Evangelho às realidades nas quais se encontra, pois tem um coração aberto ao mundo inteiro. Por esse motivo, não poderia deixar de ouvir o grito dos pobres, juntamente com o grito da Terra. Essa abertura cordial caracterizou profundamente o pobrezinho de Assis. Para ele, todos podem realizar o bem, guiados pelo Criador de todas as coisas, de quem procede todo bem.

O espírito da Ecclesia semper reformanda caracteriza o Magistério de Roma, que convoca a todos para o cuidado de uma ecologia humana em favor do convívio social para proteger, de forma responsável, a vida de todos com justiça, equidade e ternura. Enfim, convoca a um novo estilo de vida, pautado pelas relações humanizadoras, pela inclusão social e pelo cuidado da casa comum.

Vivemos em tempos históricos difíceis - mas também repletos de oportunidades – nas quais se faz necessário um olhar atento e abrangente, totalizador, que coloque a vida no Planeta Terra e as inter-relações em primeiro lugar. Habitar a Terra não significa simplesmente desfrutar os bens que nos foram dados, mas é uma tarefa que o Criador nos confiou para que cuidássemos dela e a fizéssemos frutificar.

Para um mundo doente, onde tudo parece se dissolver e perder consistência, o desafio de construir fraternidade é possível quando reconhecemos um Pai: todo o ministério do Papa Otávio visa narrar a misericórdia do Pai, no mundo, que torna possível viver a fraternidade por todos. Fazemos parte da grande família cósmica. Nós mudamos, a Igreja muda, a História muda, quando começamos a querer mudar - não os outros, mas a nós mesmos, fazendo da nossa vida um dom.


+ Leonardo Card. Dall Osto
Presidente da Congregação para o Concilio Vaticano I