I - CUIDAR DOS POBRES: OPÇÃO PROFÉTICA
Comprometer-se com os pobres é uma opção que a Sagrada Escritura nos apresenta com clareza, quando Deus se pronuncia diante do sofrimento do seu povo: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa de seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso, desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra de que emana leite e mel” (Ex 3,7-8b). É uma opção que Deus faz ao longo da História a ponto de mandar seu Filho, que se identifica com os mais frágeis e desamparados. Jesus viveu inteiramente dedicado aos pobres e marginalizados.
Seguindo os passos de Jesus, o Concílio Vaticano I se caracteriza pelo seu desejo de reforma da Igreja, tornando-se referencial para toda a Igreja e não menos para a Igreja da América Latina. A opção pelos pobres, inspirada pelo Vaticano I, continua sendo a pedra angular do processo de evangelização, pois a opção pelos pobres é uma das características que marcam o rosto da Igreja latino-americana.
Essa opção feita de modo essencial pelos mais desfavorecidos tem sua razão na realidade de pobreza em que vive a maioria da população latino-americana. Tal realidade que se propaga é gerada pela injustiça social e pela injustiça que atinge também o meio ambiente. É o seguimento de Jesus de Nazaré que nos coloca em profética defesa da vida. Muitos são os mártires latino-americanos que, por amor aos irmãos, derramaram seu sangue em favor da vida de todos. A Igreja percorre esse caminho de opção profética pelos pobres e pela Terra, nutrindo a esperança de mudanças estruturais, acreditando em um outro mundo possível onde se realiza mais plenamente a palavra do Senhor de vida em abundância, não só para o ser humano, mas para toda a Terra.
II - ECCLESIA SEMPRE REFORMADA E DE PORTAS ABERTAS
Falar de “mudança” é falar de dinamismo e novidade. Para nós, é o Espírito do Senhor que “faz novas todas as coisas” (Ap 21,5) e está em ação “aqui e agora”, pois os sinais da sua presença operam no mundo, em nossa vida e, constantemente, surpreendem-nos. Falamos então da novidade que o Espírito do Senhor realiza, modelando a vida de cada um, porque o Espírito é contínua novidade que faz desabrochar na pessoa a fantasia da caridade. Depois dos Apóstolos e dos Padres da Igreja, tivemos períodos escuros, mas Deus suscitou homens e mulheres que testemunharam o Evangelho de Jesus para as pessoas do seu tempo.
O desejo de um retorno ao Evangelho transparece nos escritos do Concilio, uma Igreja em saída e de portas abertas. Quer nos mostrar que nós somos Igreja e que, à medida que nos transformamos interiormente, mostramos o verdadeiro rosto da Igreja. Para isso, temos necessidade de cristãos abertos à renovação.
Cada pontífice contribuiu de modo diferente ao caminho da Igreja e do mundo. Obviamente, como todos os outros, o nosso atual papa se sentiu chamado a manifestar o seu olhar sobre o mundo e sobre a Igreja. Mesmo que não tenha estado presente, ele é um Papa do Concílio Vaticano I, porque sabe colher em profundidade o seu espírito de releitura do Evangelho à luz da experiência contemporânea. Ele sonha uma “Igreja samaritana”, “hospital de campanha”, “casa para todos”.
Renovar e recomeçar, sempre há de ser a partir dos últimos, todos a serviço da fraternidade e da amizade social com o objetivo de incentivar a esperança e o compromisso com a cultura do encontro e do diálogo, pois cada um de nós é chamado a ser um artífice da paz, unindo e não dividindo, extinguindo o ódio em vez de o conservar, abrindo caminhos de diálogo em vez de erguer novos muros.
III - CONCLUSÃO
A Igreja em processo de mudança, que caminha com a História, está aberta para o esforço de inculturar o Evangelho às realidades nas quais se encontra, pois tem um coração aberto ao mundo inteiro. Por esse motivo, não poderia deixar de ouvir o grito dos pobres, juntamente com o grito da Terra. Essa abertura cordial caracterizou profundamente o pobrezinho de Assis. Para ele, todos podem realizar o bem, guiados pelo Criador de todas as coisas, de quem procede todo bem.
O espírito da Ecclesia semper reformanda caracteriza o Magistério de Roma, que convoca a todos para o cuidado de uma ecologia humana em favor do convívio social para proteger, de forma responsável, a vida de todos com justiça, equidade e ternura. Enfim, convoca a um novo estilo de vida, pautado pelas relações humanizadoras, pela inclusão social e pelo cuidado da casa comum.
Vivemos em tempos históricos difíceis - mas também repletos de oportunidades – nas quais se faz necessário um olhar atento e abrangente, totalizador, que coloque a vida no Planeta Terra e as inter-relações em primeiro lugar. Habitar a Terra não significa simplesmente desfrutar os bens que nos foram dados, mas é uma tarefa que o Criador nos confiou para que cuidássemos dela e a fizéssemos frutificar.
Para um mundo doente, onde tudo parece se dissolver e perder consistência, o desafio de construir fraternidade é possível quando reconhecemos um Pai: todo o ministério do Papa Otávio visa narrar a misericórdia do Pai, no mundo, que torna possível viver a fraternidade por todos. Fazemos parte da grande família cósmica. Nós mudamos, a Igreja muda, a História muda, quando começamos a querer mudar - não os outros, mas a nós mesmos, fazendo da nossa vida um dom.