A Santa Igreja, exercendo seu múnus de pastorear o rebanho que lhe é confiado, se encontra muitas vezes diante do impasse do mundo da política e do partidarismo político. Sabemos historicamente de como foram prejudiciais as vezes em que Estado e Igreja se fundiram, por acabar deturpando ou santificando um poder humano, passível de erros e fértil para interesses que se chocam com o evangelho. No mundo contemporâneo, a separação entre essas duas instituições e a consequente laicidade do Estado são prerrogativas imprescindíveis para o bom ordenamento de ambas. Contudo, isto não significa que o católico deva se tornar alheio ao mundo da governança. Pelo contrário, pautados pela justiça social e pela doutrina da Igreja, temos o compromisso de ser luz em meio às trevas do mundo.
Como ensinou São Paulo VI: “O desenvolvimento dos povos, especialmente daqueles que se esforçam por afastar a fome, a miséria, as doenças endêmicas, a ignorância; que procuram uma participação mais ampla nos frutos da civilização, uma valorização mais ativa das suas qualidades humanas; que se orientam com decisão para o seu pleno desenvolvimento, é seguido com atenção pela Igreja. Depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, uma renovada conscientização das exigências da mensagem evangélica traz à Igreja a obrigação de se pôr ao serviço dos homens, para os ajudar a aprofundarem todas as dimensões de tão grave problema e para os convencer da urgência de uma ação solidária neste virar decisivo da história da humanidade”. [1]
Deste modo, a Igreja se exime do partidarismo prejudicial ao corpo eclesial, mas tem a obrigação e compromisso ético e moral de intervir quando ameaças ao corpo social, principalmente no que diz respeito à dignidade humana, surgem.
Estas ameaças constituem-se: má administração econômica, favorável ao aumento da pobreza; a indiferença à dignidade da vida humana no trato com a saúde, moradia, educação, condições de emprego e de seguridade previdenciária; desrespeito ao meio ambiente, Casa Comum, dom de Deus para ser usado com sabedoria e responsabilidade; desrespeito ao Estado Democrático de Direito, no que tange às mais graves ofensas às liberdades individuais como de culto, de imprensa, de opinião e livre manifestação; corrosão ao aparelho democrático de informação através da manipulação de dados e invenção dos mesmos para maquiar ou favorecer seus projetos despóticos; o rechaço e atentado aos direitos dos povos originários, da população negra, quilombola, da periferia, das mulheres, LGBT+, e demais minorias; a instrumentalização da religião como massa de manobra para projeto eleitoral.
Todas estas atitudes revelam um governo antidemocrático, autoritário, de tendências fascistas e que corrompe mesmo o sentido da política. No ensinamento de Francisco: “Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum.” [2]
Assim, “comprometer-se com a política é um dever e obrigação moral do cristão, que deve fazê-lo inspirado na caridade de Cristo. A presença dos cristãos nos agrupamentos humanos seja animada daquela caridade com que Deus nos amou, e com a qual quer que também nós nos amemos uns aos outros”. [3] "Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença". [4]
Por isso, nosso Concílio Vaticano I definiu que: “Se enquanto Instituição, a Igreja é e deve ser apartidária, enquanto membros da mesma Igreja, e seguidores de Jesus, temos sim que nos envolver ativamente na política, de modo a iluminar o mundo com a caridade de Cristo. Cuide o clero de manter o equilíbrio nessas relações, de modo a ter em mente quando estão representando a Igreja e quando estão exercendo seu direito e dever cidadão.” [5] Ou seja, quando o Estado é ameaçado, temos o dever ético e moral, mesmo que clérigos, de responder às ameaças na condição de cidadãos. A fidelidade ao evangelho que pregamos exige isso de nós, acima de qualquer “respeito humano” ou conduta “politicamente correta” para o clero.
Dado em Roma, junto ao Gabinete da Congregação para o Concílio Vaticano I, aos 29 dias do mês de Outubro do ano de 2022, Ano Mariano.
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[1] PAULO VI, Carta Encílica Populorum Progressio, 1
[2] FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti- sobre a Fraternidade e a Amizade Social, 154
[3] Cons. Conc. Deus est communio amoris", Sobre o Âmbito Filosófico e Teológico, 12.
[4] Carta dos "Bispos do Diálogo pelo Reino" sobre o 2° turno.
[5] Cons. Conc. Deus est communio amoris", Sobre o Âmbito Filosófico e Teológico, 15.