DOM MARCUS ANTONIUS DI VEGESELA
POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA
CARDEAL BISPO DI PALESTRINA
PREFEITO DA CONGREGAÇÃO PARA O CONCÍLIO VATICANO I
“Mas Deus, que é rico em misericórdia, por causa do seu grande amor com que nos amou, mesmo estando mortos em delitos, nos fez vivos juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)”. (cf. Ef 2,4-5)
O ministério de Jesus Cristo, à despeito dos religiosos de seu tempo como também muitos de hoje, foi sempre a misericórdia. Contrariando os velhos costumes, Jesus veio mostrar a face do Pai: face de amor e de bondade, de acolhida e misericórdia, de paciência e de perdão. A religião verdadeira é aquela que comunique esta verdade, e não uma que pregue a intransigência para com o pecador arrependido.
«Se Deus se detivesse na justiça, deixaria de ser Deus; seria como todos os homens que clamam pelo respeito da lei. A justiça por si só não é suficiente, e a experiência mostra que, limitando-se a apelar para ela, corre-se o risco de a destruir. Por isso Deus, com a misericórdia e o perdão, passa além da justiça. Isto não significa desvalorizar a justiça ou torná-la supérflua. Antes pelo contrário! Quem erra, deve descontar a pena; só que isto não é o fim, mas o início da conversão, porque se experimenta a ternura do perdão.» [1]
Por isso, o Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano I reservou para a pena de excomunhão, prática secular adotada na Igreja, causas bem específicas e extremas. Com isso, objetivou que a prática da excomunhão não fosse adotada de qualquer modo, no calor dos ânimos, a fim de que não se banalize tão grave exclusão do corpo místico de Cristo, a Igreja. A missão da Igreja não é extirpar; é reunir e congregar. Como proclamado na Constituição Apostólica ''Expurgate Malum'', sobre o Âmbito Canônico I: « O Concílio Vaticano I vem ressignificar a Excomunhão, deixando de banalizá-la e aplicando-a nos casos últimos e mais graves em que a Igreja não tem mais controle sobre a situação, ou ainda que fira diretamente a sua unidade ou atrapalhe de maneira abrangente a sua missão pastoral e salvífica de guiar as almas ao Reino dos Céus.» [2] Tais casos são: cisma; desobediência pública ao Pontífice; e heresias contra a doutrina católica.
Apesar disto, mesmo nestes casos previstos, que se observe com bastante cautela e cuidado cada caso. De preferência, uma análise detida, demorada e discutida. Pergunte-se o juiz: será que todas os meios possíveis de reparação do erro estão esgotados? Será que foram oferecidos todos os meios possíveis para que o criminoso aprenda com seu erro, reconheça-o e experimente o arrependimento e o perdão? Que se tenha certeza absoluta de se ter chegado a uma resposta sincera à estas perguntas para que não se cometa a grave mais falta de todas: a privação da misericórdia de Deus àquele que errou. Pois se isto ocorrer, a Igreja terá falhado gravemente em sua missão.
Reforce-se: Somente quando se tiver certeza do esgotamento de toda reconciliação e reparação do erro, recorra-se às penas máximas. E mesmo assim, excomungar alguém será um peso e uma tristeza maior para a Igreja do que ao próprio criminoso, pois mais se alegra o céu por aquela uma ovelha resgatada, do que por noventa e nove que não precisam de conversão (cf. Lc 15, 4-7). A missão da Igreja é lutar, até as ultimas consequências, pela ovelha desgarrada!
Assim, que no crepúsculo de nossa vida, nosso crime tenha sido apenas esse: amar demais e perdoar sem medidas!
Vaticano, 08 de outubro de 2022.
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[1] FRANCISCO, "Misericordiae Vultus" Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. (11 de abril de 2015)
[2] Conc. Ecum. Vat. I, Cons. Conc. Sobre o Âmbito Canônico I, ''Expurgate Malum'', 1