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Carta Benedicta in Mulieribus | Sobre a Dignidade e os Direitos da Mulher na sociedade e na Igreja.


CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

BENEDICTA IN MULIERIBUS

Sobre a Dignidade e os Direitos da Mulher na sociedade e na Igreja.

O papel da mulher na sociedade, historicamente marcado pelo machismo e patriarcalismo que relega ao feminino o segundo plano, deve ser iluminado por uma doutrina que reconheça a igualdade – de direitos e deveres- dos homens e mulheres. Para tal ato, a Igreja constantemente volta-se para a figura de Maria, mãe de Jesus, que rompeu com os paradigmas de seu tempo, assumindo o papel que destaque que Deus lhe reservou.

Maria de Nazaré representava aquela parcela da população desprezada, mas que com o Reino de Jesus, é colocada nos primeiros lugares. A tradição judaica, profundamente patriarcal e machista, sempre enxergou a mulher como objeto e propriedade do homem. A função da mulher era de dar filhos ao marido, para que ele perpetuasse sua memória. Não tinham voz nas decisões comunitárias, e nem mesmo nas religiosas. Nas sinagogas e no Templo, somente os homens pregavam. Somente os homens participavam dos estudos das Escrituras. Em Maria, esse paradigma é quebrado. É a uma mulher que Deus pede permissão para entrar no mundo. Foi primeiro a ela - não a José- quem o anjo faz o grande anúncio da vinda do Messias esperado. Na genealogia de Jesus, não é somente o nome do Pai que aparece -como era o costume- mas o nome de Maria e também de outras mulheres que, pela conduta de suas vidas, seriam excluídas de qualquer narrativa e memória.

É preciso purificar nossa prática religiosa deste moralismo hipócrita, ainda tão presente em nosso meio. É preciso lembrar que Deus, apesar de tradicionalmente representado num espectro masculino, é um ser transcendente ao nosso binarismo humano. Deus é homem e Deus também é mulher. O Papa João Paulo I já proclamava no Ângelus de 10 de setembro de 1978: “Ele (Deus) é papá; mais ainda, é mãe.” [1] É preciso que como Igreja, e principalmente como sociedade, saibamos valorizar e reconhecer a dignidade de todos os filhos e filhas de Deus, feitos à sua imagem e semelhança. Toda e qualquer discriminação, como diferenciação salarial entre os sexos para o mesmo trabalho prestado, é inaceitável, uma ofensa e pecado grave contra Deus criador. Pior ainda, o fetichismo que coisifica o corpo da mulher, principalmente através da exploração sexual, fere profundamente a dignidade humana. O Papa Francisco, em sua exortação Apostólica Evangelii Gaudium, ao refletir sobre os desafios atuais da Igreja, já destacava:  “As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir superficialmente” [2].

E aqui é preciso fazer um mea culpa: nós, enquanto Igreja, muitas vezes relegamos às mulheres um papel de segundo plano, não dando o devido valor aos trabalhos que elas desempenham em nossas comunidades cristãs ou querendo “clericalizá-las”, enfiando-as em conventos. Pior ainda: apresentamos um ideal de mulher que não corresponde mais aos desafios de nosso tempo, tornando o anúncio do evangelho algo pesado e anacrônico.

Na intenção de oração proposta para o mês de outubro de 2020, o Papa destacou a importância das leigas engajadas, desejando que tomassem um papel de maior importância na Igreja: “Devemos promover a integração das mulheres em lugares onde são tomadas decisões importantes”. Outro ato concreto foi a oficialização dos ministérios do leitorato e acolitato conferido às mulheres por Francisco. Em nossa realidade habbliveana: como temos feito o apostolado feminino? Temos valorizado a as mulheres na Igreja? Temos aberto espaço para que elas participem efetivamente? Temos dado real atenção ao laicato? Nossa evangelização tem lançado luz à realidade de violência e desrespeito à mulher, numa sociedade que a coisifica e sexualiza?

Que possamos tomar Maria Santíssima como modelo e inspiração. Como destaca o Teólogo Felipe Magalhães Francisco: “Maria é mulher, mãe, vítima das violências de seu próprio tempo. Ela é com as mulheres! Nós, os homens de fé, precisamos reconhecer Maria em seu justo lugar: foi aquela que cantou a inversão do poder, para que a justiça pudesse acontecer! Maria, a mulher da igualdade!” [3] Maria é “benedicta in mulieribus” pois assumiu com coragem sua missão, dando a todos nós hoje, o modelo do perfeito discipulado do Messias Jesus!

Roma, 08 de março de 2022.


+ Marcus Antonius Card. Di Vegesela
Pref. da Congregação para a Doutrina da Fé


[1] JOÃO PAULO I, Ângelus de 10 de setembro de 1978. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-i/pt/angelus/documents/hf_jp-i_ang_10091978.html> Acesso em 07 mar. 2022.

[2] FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. 24 novembro de 2013, (104).

[3] FRANCISCO, Felipe Magalhães. Devoção mariana e a superação da violência contra as mulheres. Disponível em: <https://domtotal.com/noticia/1486789/2020/12/devocao-mariana-e-a-superacao-da-violencia-contra-as-mulheres/> Aceso em: 07 mar. 2022