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Diretório Litúrgico | Sobre as Celebrações do Natal de Nosso Senhor

DOM TOMÁS DE ALCÂNTARA E BOURBON
POR MERCÊ DE DEUS E DA SÉ APOSTÓLICA
CARDEAL DIÁCONO DE SANTA MARIA IN AQUIRO
PREFEITO DA CONG. DO CULTO DIVINO E DISCIPLINA 
DOS SACRAMENTOS


Roma, 14 de Dezembro de 2021.

“Há dois mil anos nasceu Jesus”! Nada disso! O que ela diz é: “Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo, desceu do céu a verdadeira paz!” (Antífona de Entrada da Missa da Noite do Natal).

A todos que a este lerem, minha saudação de paz e benção. 

Como todos os anos, seguindo o costume de meus irmãos antecessores que passaram por esta congregação, afim de melhor celebrarmos o Nascimento Glorioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, escrevo este Diretório Litúrgico para o tempo feliz que já se aproxima.

O tempo do advento é tempo de esperança, porque cristo é a nossa esperança (1tm 1, 1); esperança na renovação de todas as coisas, na libertação das nossas misérias, pecados, fraquezas, na vida eterna, esperança que nos forma na paciência diante das dificuldades e tribulações da vida, diante das perseguições. Após celebrarmos com a santa igreja este tempo de espera e preparação para a vinda do senhor, devemos estar atentos a cada detalhe litúrgico propriamente ditos no âmbito da celebração. Cada igreja deve ser organizada com antecedência, seguindo as regras que deixamos ditadas aqui, neste diretório.

SOBRE A FESTA DO NATAL

1. A nossa visita, breve e simples, como convém a este momento, não pretende manifestar erudição, nem, muito menos, ensinar coisas novas e originais. Simplifica, bastante resumidamente, o quadro que o Natal nos apresenta, em três aspectos principais, que, de certo modo, podem ser classificados em três períodos da história eclesiástica. É mais ou menos assim: temos o primeiro período, o dos três primeiros séculos do cristianismo, durante os quais o Natal não tem uma verdadeira celebração litúrgica própria, nem a mesma data, e cujo objectivo não era apenas exaltar o nascimento de Cristo, mas também substituir a festa pagã do Sol, do « Sol invicto», venerado em Roma, com um magnífico templo inaugurado pelo Imperador Aureliano (a. 274), com a festa de Cristo, sol da humanidade. Imediatamente, porém, a ideia doutrinal, que explica o nascimento de Cristo, neste período, é levada, principalmente, a considerar a Sua divindade; é o aparecimento do Filho de Deus feito carne que atrai a atenção e a devoção; a Igreja contempla o mistério da união hipostática, ou seja, da dupla natureza de Cristo, divina e humana, ambas vivas na única Pessoa do Verbo. E o que ensinaram especialmente S. João Crisóstomo, Santo Agostinho e São Leão Magno. A teofania define o Natal: Cristo, na humildade, é o Deus connosco (cfr. Santo Agostinho, Sermones in Natale Domini, em: Migne, PL 38,995 ss.; De Cathechizandis Rudibus, IV, em: Migne, PL 40,366). Certamente, também não faltam, nesta magnífica literatura sobre o Natal, expressões de ternura em relação ao Menino Jesus; por exemplo, S. Ambrósio, ao comentar o Evangelho de São Lucas, diz: Me illius infantiae vagientis abluunt fletus, mea lacrymae illae delicta laverunt; as lágrimas daquele menino a chorar lavam as minhas culpas (Santo Ambrósio, em: Migne, PL 15, 1649). Mas a divindade de Cristo prevalece no interesse celebrativo deste primeiro período: o Concílio de Niceia (a. 325), que afirma, contra os Arianos, a divindade de Cristo, e, depois, o sucessivo, de Constantinopla (a. 381), o de Éfeso (a. 431), e o de Calcedónia (a. 451) oferecem o quadro teológico sobre a divindade: Deus, Uno e Trino; sobre a Maternidade humano-divina de Maria; e sobre a Cristologia, na sua forma essencial e completa, principalmente em relação à liturgia do Natal.¹

2. Jesus nasceu na humildade dum estábulo, no seio duma família pobre. As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. 
E é nesta pobreza que se manifesta a glória do céu. A Igreja não se cansa de cantar a glória desta noite:
«Hoje a Virgem dá à luz o Eterno
e a terra oferece uma gruta ao Inacessível.
Cantam-n'O os anjos e os pastores,
e com a estrela os magos põem-se a caminho,
porque Tu nasceste para nós,
pequeno Infante. Deus eterno!»

3. «Tornar-se criança» diante de Deus é a condição para entrar no Reino, e para isso, é preciso abaixar-se tornar-se pequeno. Mais ainda: é preciso «nascer do Alto» (Jo 3, 7), «nascer de Deus» para se «tornar filho de Deus». O mistério do Natal cumpre-se em nós quando Cristo «Se forma» em nós. O Natal é o mistério desta «admirável permuta»:
«O admirabile commercium! Creator generis humani, animatum corpus sumens de Virgine nasci dignatus est; et, procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem». – «Oh admirável permuta! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem sem progenitor humano, tornou-nos participantes da sua divindade!».²

SOBRE AS MISSAS E ORNAMENTAÇÃO

4. tempo litúrgico do Natal começa com as primeiras vésperas do Natal e termina no domingo depois da Epifania (entre 2 e 8 de janeiro). Interessante ressaltar que a liturgia do Natal do Senhor se caracteriza por quatro celebrações da Eucaristia, assim distribuídas:
a) Use-se a cor branca nos Ofícios e Missas do Tempo do Natal do Senhor;
b) Na tarde do dia 24 de dezembro, celebre-se a Missa vespertina. Essa Missa tem caráter festivo, com o canto do Glória e a Profissão de Fé;
c) Na noite de 25 de dezembro, em geral à meia-noite, celebre-se a primeira Missa do Natal do Senhor;
d) Ao alvorecer, celebre-se a segunda Missa do Natal;
e) Durante o “dia” de Natal, celebre-se a terceira Missa da festividade.

5. Para as ornamentações:
a) Seja decorada a igreja elaboradamente entre os dias 24 e 25. Sejam usadas árvores e plantas naturais sempre que possível para representar a dádiva da vida que o Senhor Jesus traz. Posicione-se o presépio em uma área proeminente. Torne-a acessível à comunidade, para que possam se aproximar, rezar, refletir sobre a bela cena e beijar o menino Jesus.

b) Uma vez que, durante o Tempo do Advento se recomendava moderação na ornamentação da igreja, “de modo a não antecipar a plena alegria do Natal do Senhor” (Cerimonial dos Bispos, n. 236), nas Missas dessa Solenidade o altar seja convenientemente ornado com flores;

c) Sendo uma das principais solenidades do Ano Litúrgico, convém dispor seis velas sobre o altar ou junto dele (ou sete se a Missa for presidida pelo Bispo Diocesano). Porém, podem ser colocadas quatro ou mesmo duas velas (Instrução Geral sobre o Missal Romano, [IGMR], 3ª edição, n. 117);

d) Recomenda-se também o uso do incenso, que é sempre facultativo na Missa (IGMR, nn. 276-277).

SOBRE A PREPARAÇÃO DA MISSA DA NOITE
E OFÍCIO DAS LEITURAS ANTES DA MISSA

6. Organização da missa da noite:
a) “A Igreja deseja que os fiéis participem, na noite de 24 de dezembro, se possível, do Ofício das Leituras, como preparação imediata à celebração da Eucaristia da meia-noite. Onde isso não for possível, inspirando-se nisso, poderá ser oportuno fazer uma vigília com cânticos, leituras e elementos da piedade popular” (Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, n. 110; Cerimonial dos Bispos, n. 238; Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, n. 215);

b) Antes da Missa da Noite, recita-se o Ofício das Leituras da Solenidade do Natal do Senhor. O ofício é presidido pelo sacerdote revestido de túnica ou alva, estola e pluvial branco; ou pelo diácono revestido de túnica, estola e dalmática; ou por um fiel leigo (cf. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, nn. 255.258);

c) O Ofício segue a seguinte estrutura:

Versículo introdutório: “Vinde, ó Deus, em meu auxílio...”;
Hino: “Eterno esplendor da beleza divina”, ou outro canto aprovado pela Conferência dos Bispos (como o célebre Adeste fideles - Cristãos, vinde todos);
SalmodiaSl 2; Sl 18(19)A; Sl 44 (45);
Versículo: “O Verbo se fez carne...”;
1ª leitura (Is 11,1-10), seguida de um responsório;
2ª leitura (Dos Sermões de São Leão Magno, Papa), seguida de um responsório;
Te Deum;
Oração;
Conclusão: “Bendigamos ao Senhor...”.³

d) Terminado o Ofício das Leituras, pode entoar-se a 
Kalenda ou Anúncio Natalino, como veremos adiante. Inicia-se então a Missa com a procissão de entrada.

7. O ofício das leituras unido a missa:
a) O Cerimonial dos Bispos (n. 238) e a Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas (n. 98) indicam que o Ofício das Leituras pode estar unido à Missa da Noite de Natal. Neste caso, deve ser presidido pelo sacerdote revestido com os paramentos para a Missa: túnica ou alva, estola e casula branca;

b) Após o responsório da 2ª leitura do Ofício (ou, quando se proclamam os três cânticos, após o Evangelho da Vigília), omite-se o Te Deum e passa-se diretamente ao Glória da Missa. Assim, o canto da Kalenda poderia inserir-se antes do Glória, entre o Ofício e a Missa.

8. Outras formas de preparação:
a) Como indica o Diretório sobre Piedade Popular (n. 110), ao invés do Ofício das Leituras pode ser feita também uma “vigília” em preparação à Missa da Noite com leituras, cânticos e elementos da piedade popular. Por exemplo, as “encenações”, “autos de Natal” ou “presépios vivos” têm lugar nessa vigília preparatória, sempre fora da Missa. O mesmo Diretório sobre Piedade Popular adverte sobre “a profunda diferença que existe entre a ‘encenação’, que é mimese [repetição ou memória], e a ‘ação litúrgica’, que é anamnese, presença mistérica do evento salvífico” (n. 144).Por mais “terno” que seja ver uma criança representando o Menino Jesus junto a um casal figurando como Maria e José, tal encenação leva facilmente a uma “visão devocional e sentimental” do mistério⁴, distraindo-nos das “presenças de Cristo” na Liturgia: na Palavra proclamada, no pão e no vinho partilhados, em toda a comunidade reunida (cf. At 2,42; Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 7). O mesmo vale para “jogos de luzes” que infelizmente têm lugar em algumas celebrações, a serviço do sentimentalismo e não da teologia litúrgica. Salvo na Vigília Pascal (e nas Missas Rorate do Advento por antiga tradição), não se apagam as luzes da igreja durante a celebração.

9. O Canto da Kalenda:
a) O Martirológio Romano, livro litúrgico que infelizmente não foi traduzido para o Brasil, oferece-nos um riquíssimo formulário para essa Solenidade: o Anúncio do Natal ou “Kalenda”;

b) O termo “kalenda” vem do início do texto em latim: “Octavo kalendas januarii...” (o dia 25 de dezembro corresponde ao oitavo dia antes das kalendas de janeiro, isto é, antes do início desse mês);

c) Esse texto coloca Cristo como o centro de toda a história, pois narra todos os grandes acontecimentos do Antigo Testamento em relação com o nascimento do Senhor. Além disso, recorda-nos que na celebração litúrgica entramos no tempo de Deus, o “kairós”: no Natal, não celebramos o “aniversário” de Jesus, mas o “hoje” da Encarnação. Esse “hoje”, com efeito, é retomado diversas vezes nas orações e leituras dessa Solenidade;

d) Recomenda-se cantar ou recitar a Kalenda antes da Missa da Noite. Pode-se, porém, também entoá-la após a saudação inicial e antes do Glória, omitindo assim o Ato Penitencial;

e) Tal orientação causa-nos bastante estranheza, uma vez que a leitura do Martirológio é feita sempre fora da Missa (podendo ser unida à Liturgia das Horas ou a um momento de oração particular ou comunitária, mas não à Missa). Assim, o lugar da Kalenda é antes da Missa da Noite de Natal.

10. A Missa da Solenidade do Natal do Senhor:
a) O Glória:
“O Glória é um hino antiquíssimo e venerável, pelo qual a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro. O texto deste hino não pode ser substituído por outro” (IGMR, n. 53). Assim a Instrução Geral sobre o Missal Romano apresenta o Glória. O núcleo desse cântico, com efeito, foi entoado pelos anjos na noite do nascimento do Senhor: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc 2,14). A Igreja posteriormente acrescentou uma série de louvores ao Pai e de súplicas ao Filho (incluindo o pedido de perdão!), concluindo com uma breve doxologia à Trindade. Não há um “parágrafo” para o Espírito Santo, pois Ele canta esse hino junto com a Igreja! (cf. Ap 22,17). O Glória entoado nas três Missas do Natal (assim como nas demais solenidades, festas e domingos do Ano Litúrgico, exceto no Advento e na Quaresma) pertence às partes fixas da Missa: seu texto não pode ser substituído, nem por um louvor qualquer à Trindade, nem por outro texto que contenha a palavra “Glória”. Portanto, o canto “Vinde cristãos, vinde à porfia NÃO DEVE SER USADO COMO GLÓRIA. Essa tradução do cântico natalino francês “Les Anges dans nos campagnes”, composto por um autor anônimo provavelmente no século XVIII, pode ser entoado como canto de entrada ou canto final, mas não pode substituir o Glória;

b) A profissão de fé:
Nas três Missas da Solenidade do Natal e na Solenidade da Anunciação do Senhor (25 de março) há uma particularidade quanto à Profissão de Fé (Creio): todos se ajoelham ao anúncio da Encarnação (Missal Romano, pp. 152-154.565). Nessas celebrações recita-se preferencialmente o Símbolo Niceno-Constantinopolitano (Missal Romano, pp. 400-401), durante o qual todos se ajoelham às seguintes palavras:
E se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e se fez homem”. No Símbolo Apostólico (Missal Romano, p. 402), por sua vez, todos se ajoelham durante as palavras: “Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria”. Em todas os demais domingos e solenidades do Ano Litúrgico, quando se proclamam no Creio essas palavras, todos devem fazer uma inclinação profunda (cf. IGMR, n. 275);

c) A Oração Eucarística:
Nas três Missas da Solenidade do Natal toma-se um dos Prefácios do Natal à escolha: “O Cristo, luz do mundo”, “A restauração universal na Encarnação” ou “Intercâmbio no mistério da Encarnação” (Missal Romano, pp. 410-412). Também nas três Missas dessa Solenidade convém recitar o Cânon Romano (Oração Eucarística I), uma vez que o texto do Communicantes (Em comunhão com...) é próprio (cf. IGMR, n. 365): “Em comunhão com toda a Igreja celebramos o dia santo (a noite santa) em que a Virgem Maria deu ao mundo o Salvador. Veneramos também a mesma Virgem Maria e seu esposo São José...” (Missal Romano, p. 471);

d) A bênção e a procissão de saída:
A Solenidade do Natal do Senhor possui também um formulário de bênção próprio, que pode ser usado nas três Missas (Missal Romano, p. 520). Após a bênção e a despedida, durante a procissão de saída, a imagem do Menino Jesus pode ser conduzida ao presépio, enquanto entoa-se um canto adequado. Neste momento também “poderá ser dado o beijo dos fiéis na imagem do Menino Jesus” (Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, n. 110);

CONCLUSÃO

Aguardamos, confiantes, a vinda de Nosso Senhor neste natal, onde reavivaremos a nossa fé em Cristo Jesus, luz e salvação do mundo. Desejamos a todos que tenham uma ótima passagem natalina e um bom final de ano. Que a Luz de Cristo ilumine o coração de cada um trazendo-lhes paz, saúde, felicidade, prosperidade e acima de tudo, fé. Por fim, rogamos o auxílio da Virgem Santíssima, para que possamos caminhar em unidade e comunhão com toda a Igreja por Cristo, com Cristo e em Cristo.

Aqueles os quais agirem em contrariedade com este diretório litúrgico nas celebrações do Natal, estarão sujeitos a severas punições.

Dado e passado em Roma, na memória de São João da Cruz, aos quatorze dias do décimo segundo mês do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e vinte e um.

Prefeito


[1]. Papa S. Paulo VI, na Audiência Geral do dia 29 de dezembro de 1971, “Riqueza Teológica e Espiritual do Natal”.
[2]. Catecismo da Igreja Católica, § 525/526, “O mistério do Natal”, Cap. II, art. 3.
[3].  OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. I: Tempo do Advento e Tempo do Natal, pp. 357-364.
[4].  cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: O Ano Litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 219-220 (A pastoral do Natal).