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Carta "Cardinalis amat Ecclesiam" | Decanato do Colégio Cardinalício

DOM GABRIEL SOUZA CARDEAL GIOVANELLI
DEI MISERICORDIA ET SANCTAE APOSTOLICAE SEDIS
CARDINALIS EPISCOPI OSTIENSIS ET SANCTAE LUCIAE
SACRI COLEGII CARDINALIS DECANI CARDINALIS

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CARTA
''CARDINALIS AMAT ECCLESIAM''

Romae, die 2 Octobris, 2023

Memoria Liturgica Sancti Angeli Custodes
XXVI HEBDOMADA TEMPORIS ORDINARII

“Vim lançar fogo sobre a terra, 
e como gostaria que já estivesse aceso!” 
(Lc 12, 49).

Na pessoa do Decano do Sacro Colégio Cardinalício;
Dom Gabriel Souza Card. Giovanelli

DESEJA QUE SE SEJA PROCLAMADO

A todos os Cardeais que desempenham sua missão,
A todo o clero e povo de Deus.

MINHA SAUDOSA SAUDAÇÃO E BÊNÇÃO
    ℭaros irmãos no Sacro Colégio Cardinalício, quero inciar este diálogo, com esta passagem acima, no caminho com os discípulos para Jerusalém, o Senhor faz um anúncio em estilo profético típico, usando duas imagens: o fogo e o batismo (cf. Lc 12, 49-50). O fogo deve trazê-lo ao mundo; o batismo terá que recebê-lo Ele mesmo. Tomo apenas a imagem do fogo, que aqui é a chama poderosa do Espírito de Deus, é o próprio Deus como “fogo devorador” (Dt 4, 24; Hb 12, 29), Amor apaixonado que purifica, regenera e transfigura tudo. Este fogo – como aliás também o “batismo” – revela-se plenamente no mistério pascal de Cristo, quando Ele, como coluna ardente, abre o caminho da vida através do mar escuro do pecado e da morte.

Ao assumir, este papel de Decano (Deão) deste Colégio, quero expressar minha gratidão, e ao mesmo tempo suplicar aos senhores principes, apostolos e servidores do Evagenlho a mesma cooperação de sempre.  O Senhor chama-nos novamente a colocarmo-nos atrás dele, a segui-lo no caminho de sua missão. Uma missão de fogo – como a de Elias -, tanto pelo que veio fazer como pela forma como o fez. E para nós, que na Igreja fomos tirados do meio do povo para um especial ministério de serviço, é como se Jesus entregasse a tocha acesa, dizendo: Tomai, “como o Pai me enviou, eu também vos envio ” (Jo 20, 21). Confesso ao dize-los que sou um Cardeal diferente desde o último Decanato em 2020. 

Hoje em meio a realidade à qual vivenciamos, o Senhor quer comunicar-nos a sua coragem apostólica, o seu zelo pela salvação de cada ser humano, sem excluir ninguém. Ele quer comunicar-nos a sua magnanimidade, o seu amor sem limites, sem reservas, sem condições, porque a misericórdia do Pai arde no seu coração.  É o que arde no coração de Jesus: a misericórdia do Pai. E dentro deste fogo há também a misteriosa tensão, própria da missão de Cristo, entre a fidelidade ao seu povo, à terra das promessas, àqueles que o Pai lhe deu e, ao mesmo tempo, a abertura a todos os povos – aquela tensão universal – ao horizonte do mundo, às periferias ainda desconhecidas.

Este fogo poderoso é o que anima o apóstolo Paulo no seu serviço incansável ao Evangelho, na sua “corrida missionária” guiada, sempre impulsionada pelo Espírito e pela Palavra. É também o fogo de tantos missionários que experimentaram a cansativa e doce alegria de evangelizar, e cuja própria vida se tornou evangelho, porque acima de tudo foram testemunhas. Este é o fogo que deve arde em nossos corações, está chama que ardeu e aqui quero aproveitar e expressar minha gratidão ao Cardeal Hugh Calum Laurie, irmão /amigo e companheiro, que soube ter consciência e amor ao serviço dedicar-se a este Colégio.

Depois há o outro fogo, o das brasas. O Senhor também quer comunicar isso a nós, para que, como Ele, com mansidãofidelidadeproximidade e ternura – este é o estilo de Deus: proximidade, compaixão, ternura – possamos fazer com que muitos gozem da presença de Jesus vivo no meio de nós. Uma presença tão evidente, mesmo no mistério, que não há necessidade de perguntar: “Quem és?”, porque o próprio coração diz que é Ele, é o Senhor. Este fogo arde de modo particular na oração de adoração, quando estamos em silêncio perto da Eucaristia e saboreamos a presença humilde, discreta, oculta do Senhor, como um fogo de brasas, de tal modo que esta própria presença se torna alimento para a nossa vida quotidiana.

Mas também nos faz pensar naqueles irmãos e irmãs que vivem a consagração secular no mundo, alimentando o fogo baixo e duradouro no local de trabalho, nas relações interpessoais, nas reuniões das pequenas fraternidades; ou, como sacerdotes, num ministério perseverante e generoso, sem colocar-se em evidência, entre o povo da paróquia.

Um pároco de duas paróquias, aqui na Itália, me dizia que tinha muito trabalho. “Mas tu és capaz de visitar todas as pessoas?”, eu disse. “Sim, eu conheço todas!” – “Mas tu sabes o nome de todos?” – “Sim, até os nomes dos cães das famílias”. Este é o fogo brando que traz o apostolado à luz de Jesus.

Caros irmãos Cardeais, na luz e no poder deste fogo, caminha o Povo santo e fiel, do qual fomos tirados nós, daquele povo de Deus, e ao qual fomos enviados como ministros de Cristo Senhor. O que esse fogo duplo de Jesus, , o fogo ardente e o fogo brando, diz em particular a vós e a mim? Penso que nos recorde que um homem de zelo apostólico é animado pelo fogo do Espírito para cuidar corajosamente das coisas grandes e pequenas, pois “non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”. Não se esqueçam: isso traz São Tomás na Prima PrimaeNon coerceri a maximo: ter grandes horizontes e grande desejo de coisas grandes; contineri tamen a minimo, é divino, divinum est.

Um Cardeal ama a Igreja, sempre com o mesmo fogo espiritual, tanto nas grandes questões como nas pequenas; tanto no encontro com os grandes deste mundo, como com os pequenos, que são grandes diante de Deus. Estou a pensar, por exemplo, no Cardeal Di Montserrat, justamente famoso pelo seu olhar aberto para apoiar, com diálogo sábio, os novos horizontes da Europa. Lembro-me do Cardeal Dall Osto, chamado a pastorear o Povo de Deus em outro cenário crucial do século XXI (Arquidiocese de São Paulo), e ao mesmo tempo animado pelo fogo do amor de Cristo para cuidar das ovelhas daquele pequeno rebanho. Essas pessoas não tinham medo do “grande”, do “máximo”; mas também tomavam o “pequeno” de cada dia. A grande diplomacia e a pequena coisa pastoral. Este é o coração de um padre, o coração de um Cardeal.

Queridos irmãos e irmãs, voltemos com o olhar para Jesus: só Ele conhece o segredo desta humilde magnanimidade, desta força branda, desta universalidade atenta ao detalhe. O segredo do fogo de Deus, que desce do céu, iluminando-o de um extremo ao outro e que cozinha lentamente a comida das famílias pobres, dos migrantes ou dos sem-abrigo. Jesus quer lançar este fogo sobre a terra também hoje; ele quer acendê-lo novamente nas margens das nossas histórias diárias. Ele chama-nos pelo nome, cada um de nós, nos chama pelo nome: não somos um número; olha-nos nos olhos e pergunta a cada um: "posso contar contigo?” Aquela pergunta do Senhor.

E não quero acabar sem uma recordação dos Cardeais Dom Frei Daniel Leão Braschi, e Dom Gabriel Orleans e Bragança, que em inúmeras vezes foram meus confessores, conselheiros, a magntude da simplicidade de ambos, mesmo, possuindo um carisma diferenciado, mais que enriquece a Igreja e seu apostolado,  me dá ânimo para continuar nesta missão, mais uma vez retornando a este cargo. Espero amados irmãos neste colégio que possamos fazer um bom trabalho, errar é humano e eu assim como todos vós estamos propicíos a estes erros, na nossa pequenez. A prudência é algo que diz respeito à razão, em sua função prática, aplicando à ação singular os princípios morais. O que muitos não compreendem é a real importância da segunda parte da frase do poeta londrino: “perdoar é divino”. É neste ato que verdadeiramente nos  aproximamos do divino, do ideal de Deus, para nós.

    𝔄gradecer ao Pai que está nos céus pela amorosa assistência que sempre reserva a sua Santa Igreja e em particular pelo luminoso Pontificado que nos concedeu com a vida e as obras do 12º Sucessor de São Pedro, o amado e venerado Pontífice Ótavio Augusto I, ao qual neste momento renovo toda a minha gratidão.

In Christ;

Datum et actum Romae, ex aedibus S. Cardinalis Decani Sacri Collegii Cardinalium, die II mensis Octobris, anno MMXXIII, anno Laici Dicato, sub Pontificatu Domini Nostri Octaviani Augusti I Papae.

 Gabriel Souza Card. Giovanelli
Cardinalis Decanus