PONTIFICIA COMISSIO DISCIPLINARIS
CURIAE ROMANAE
INSTRUÇÃO
CARDINALIS ECCLESIAE GLOBAL
(Sobre os Cardeais idosos que trabalham na Cúria Romana)
PROÊMIO
Um cardeal ama a Igreja sempre com o mesmo fogo espiritual, nas questões grandes e pequenas, tanto no encontro com os grandes deste mundo, como com os pequenos, que são grandes diante de Deus. O Bom Pastor, Cristo Jesus (cf. Jo. 10, 11.14), [1] confiou aos Bispos, sucessores dos Apóstolos, e de modo especial ao Bispo de Roma, a missão de ensinar todas as nações e de pregar o Evangelho a toda a criatura, a fim de ser instituída a Igreja, Povo de Deus, e com este objectivo o múnus dos Pastores deste seu Povo fosse um verdadeiro serviço que "na Sagrada Escritura se chama com muita propriedade 'diaconia', isto é, ministério".
Com base nesta comunhão, que num certo sentido congrega toda a Igreja, se explica e realiza também a estrutura jerárquica da Igreja, dotada pelo Senhor de natureza colegial e ao mesmo tempo primacial, quando Ele "instituiu os Apóstolos à maneira de colégio ou grupo estável, ao qual prepôs Pedro escolhido dentre os mesmos". Trata-se aqui da especial participação dos Pastores da Igreja no tríplice múnus de Cristo, ou seja, do magistério, da santificação e do governo: os Apóstolos juntamente com Pedro, os Bispos com o Bispo de Roma. [2]
CAPÍTULO I
MISSIONARII ORIGO
1. ”Levantar-se significa não ficar parado”, isto é o que Deus disse a Abraão, “e a todos nós”. “Você tem uma missão, uma obrigação, e deve fazer o caminho. Levante-se, fique de pé”. Assim, o Senhor quer comunicar-nos a sua coragem apostólica, o seu zelo pela salvação de cada ser humano, sem excluir ninguém. Ele quer comunicar-nos a sua magnanimidade, o seu amor sem limites, sem reservas, sem condições, porque a misericórdia do Pai arde no seu coração. É o que arde no coração de Jesus: a misericórdia do Pai. E dentro deste fogo há também a misteriosa tensão, própria da missão de Cristo, entre a fidelidade ao seu povo, à terra das promessas, àqueles que o Pai lhe deu e, ao mesmo tempo, a abertura a todos os povos – aquela tensão universal – ao horizonte do mundo, às periferias ainda desconhecidas.
2. Abraão escutou este mandato sem protestar, apesar de sua idade, “e começou a caminhar. Sempre em caminho, e o símbolo disso é a tenda. O livro do Gênesis diz que Abraão andava com a tenda e, quando parava, montava-a. Abraão nunca construiu uma casa para ele. Em certas ocasiões, construía um altar para adorar aquele que o mandava levantar-se e seguir o caminho com a tenda”.
3. Isto refere-se a cada Bispo na sua Igreja local; mas, com maior razão, refere-se ao Bispo de Roma no serviço Petrino em favor da Igreja universal: com efeito, a Igreja de Roma preside "à assembleia universal da caridade" [3], e portanto serve a caridade. Daqui a antiga denominação de "Servo dos Servos de Deus", com a qual é chamado por definição o Sucessor de Pedro.
CAPÍTULO II
VIDE NECESSE
4. O segundo imperativo é “olhe”, “levante o olhar e, onde estiver, dirija o olhar em meio ao oriente e o ocidente, olha o horizonte. Não construa muros. Sempre olhar e seguir em frente. É a mística do horizonte: quanto mais você caminha, mais distante está do horizonte. Dirija o olhar, adiante, sempre caminhando em direção ao horizonte”.
5. Daqui vêem-se e compreendem-se quer a natureza daquela instituição, de que os Sucessores de Pedro se serviram no exercício da própria missão para o bem da Igreja universal, quer a actividade com que ela teve de realizar as funções que lhe foram confiadas: quero referir-me à Cúria Romana, que actua, desde tempos remotos, para coadjuvar o ministério Petrino. "O Romano Pontífice, que o Cristo Senhor constituiu cabeça visível do seu Corpo, a Igreja, e quis que levasse o peso da solicitude de todas as Igrejas, chama para junto de si e assume muitos colaboradores numa tão imensa responsabilidade..., a fim de que, compartilhando com eles (os Cardeais) e com as outras Autoridades da Cúria Romana o encargo ingente das preocupações e incumbências, Ele, que governa o timão de um poder tão grande, com o auxílio da graça divina, não venha a sucumbir" [4].
6. Este fogo poderoso é o que anima o apóstolo Paulo no seu serviço incansável ao Evangelho, na sua “corrida missionária” guiada, sempre impulsionada pelo Espírito e pela Palavra. É também o fogo de tantos missionários que experimentaram a cansativa e doce alegria de evangelizar, e cuja própria vida se tornou evangelho, porque acima de tudo foram testemunhas.
CAPÍTULO III
ECCLESIA AVORUM
7. A nossa Cúria preenchida pela maioria pela vivencia já da 3ª idade, é chamada a viver e seguir o exemplo de Abraão, que assumiu a vocação e a missão que Deus lhe confiou quando já era idoso. Abraão recebeu o chamado de Deus, “tinha mais ou menos a nossa idade. Na verdade, estava na idade de se aposentar, para descansar. Ele era um homem idoso, com o peso da velhice, esta velhice traz a dor, as doenças, mas ele como se fosse um homem jovem, um ‘escoteiro’: Levanta-se e vai. Olha e espera”.
8. Chamado pelo inescrutável desígnio da Providência ao múnus de Pastor da Igreja universal, desde o início do pontificado foi meu empenho não só pedir o parecer dos Dicastérios sobre uma questão tão importante, mas consultar também o inteiro Colégio dos Cardeais. Estes dedicaram-se a tal estudo durante dois Consistórios gerais, e apresentaram os seus pareceres acerca do caminho e do método a seguir na organização da Cúria Romana. Era necessário interrogar primeiro os Cardeais num tema de tão grande relevo: eles, com efeito, por um vínculo muito estreito e especial, estão unidos ao Romano Pontífice e "assistem-n'O... agindo colegialmente, quando são convocados para tratar juntos as questões de maior importância, ou individualmente nos diversos ofícios que exercem, prestando ajuda ao Romano Pontífice, principalmente no cuidado quotidiano pela Igreja universal" [5].
9. Quem não nos quer bem, diz: ‘somos a gerontocracia da Igreja’. É uma zombaria, não sabe o que diz. Não somos gerontes, somos avôs. E se não sentimos isso, devemos pedir a graça de senti-lo. Avôs para os quais os netos olham e esperam de nós a experiência sobre o sentido da vida. Avôs não fechados, mas abertos. Para nós, ‘levante-se, olhe e espere’ se chama sonhar. Somos avôs chamados a sonhar e dar o nosso sonho à juventude de hoje, que necessita disso, porque tirarão dos nossos sonhos a força para profetizar e levar avante a sua missão.
CONCLUSÃO
Portanto óbvio que o serviço da Cúria Romana, quer considerado em si mesmo, quer pela sua relação com os Bispos da Igreja universal, quer pelos fins a que tende e pelo sentido concorde de caridade em que se deve inspirar, se distingue por uma certa nota de colegialidade, embora a Cúria não se possa comparar com tipo algum de colégio; esta característica habilita-a para o serviço do Colégio dos Bispos e dota-a dos meios a isto idóneos. Mais ainda: é também a expressão da solicitude dos Bispos pela Igreja universal, enquanto eles compartilham esta solicitude "com Pedro e subordinadamente a Pedro".
E hoje Deus lhes pede para que sejamos “avôs” do seu povo. “Isso é o que o Senhor nos pede hoje: ser avôs da Igreja que tenham a vitalidade para oferecer à juventude o melhor, sem fechar-nos. Eles esperam da nossa experiência e de nossos sonhos positivos para levar avante a profecia e o trabalho”.
Caros irmãos Cardeais, na luz e no poder deste fogo caminha o Povo santo e fiel, do qual fomos tirados nós, daquele povo de Deus, e ao qual fomos enviados como ministros de Cristo Senhor. O que esse fogo duplo de Jesus, , o fogo ardente e o fogo brando, diz em particular a vós e a mim? Penso que nos recorde que um homem de zelo apostólico é animado pelo fogo do Espírito para cuidar corajosamente das coisas grandes e pequenas, pois “non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”. Não se esqueçam: isso traz São Tomás na Prima Primae. Non coerceri a maximo: ter grandes horizontes e grande desejo de coisas grandes; contineri tamen a minimo, é divino, divinum est.
Um Cardeal ama a Igreja, sempre com o mesmo fogo espiritual, tanto nas grandes questões como nas pequenas; tanto no encontro com os grandes deste mundo, como com os pequenos, que são grandes diante de Deus.
In Christus,
Datum et actum Romae apud Praetorium Department Congregationis pro Institutione Catholica, die XVII mensis Novembris, anno MMXXII, in memoria liturgica S. Elisabeth Hungariae, Principissae, Viduae et Religiosae, sub Pontificatu Lvcivs PP.
+ Gabriel Souza Card. Giovanelli
Praefectus Pontificiae Commissionis Disciplinaris Curiae Romanae
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NOTAS
[1] Cf. Lumen Gentium, 24.
[2] Cf. Lumen Gentium, 19.
[3] Cf. Sto. Inácio Ant. Ai Romani, Introdução: Patres Apostolici, ed. Funk, Tubinga 1901, 1, 252.
[4] Cf. Prefácio, par. 1.
[5] Cf. C.I.C. 349.