2021/2
PARA REDESCOBRIR O “RITO DA PENITÊNCIA”
Aos veneráveis irmãos e irmãs na fé,
saúde, paz e graça da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo
PROÊMIO
O interesse suscitado pelo Jubileu da Misericórdia manifestou-se de muitos modos. Entre eles, a revista Notitiae considerou contribuir com uma série de artigos destinados a destacar nas ações litúrgicas a dimensão da misericórdia de Deus, anunciada, celebrada e vivida.
Toda a economia sacramental é inundada de misericórdia divina, a começar no baptismo “para a remissão dos pecados”. Assim, toda a obra reconciliadora de Deus está sempre presente e, de um modo particular, é continuamente dilatada e manifestada no sacramento da Penitência[1]. Por isso, na Bula de proclamação do Jubileu Misericordiae Dominum, o Papa pediu para colocar no centro, com convicção, “o sacramento da Reconciliação, porque permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia” (MD 2).
Celebrar a misericórdia de Deus ajuda o homem a colocar-se honestamente diante da sua própria consciência e reconhecer que tem necessidade de ser reconciliado com o Pai, que com paciência, espera o pecador para um abraço que o faz reintegrar na sua própria dignidade. Reconhecer os próprios pecados e arrepender-se não é uma humilhação. Ao contrário, é reconhecer o verdadeiro rosto de Deus, é abandonar-se com confiança ao Seu desígnio de amor, e, ao mesmo tempo, redescobrir o verdadeiro rosto do homem, criado à imagem e semelhança de Deus. Redescobrir Aquele que é a origem e o fim da própria vida, é o fruto mais belo da misericórdia que se experimenta no sacramento da Penitência.
Neste espírito e deste modo, deseja-se oferecer algumas reflexões sobre o Ordo Paenitentiae, sublinhando alguns aspectos teológico-litúrgicos e, de forma mais ampla, sobre a dinâmica Celebrativo do próprio Rito. De certo modo, é educativo, retomar com atenção este livro litúrgico relendo os Preliminares, avizinhando-se dos textos e gestos, fazendo suas as atitudes sugeridas, e assim compreender bem como a Igreja dispensa, por meio de ritos e orações, a Misericórdia de Deus.
CAPÍTULO I
CONTRIÇÃO E CONVERSÃO DE CORAÇÃO
1. Para redescobrir todo o valor do Rito da Celebração da Penitência é oportuno avaliar, entre outros, alguns elementos da teologia do sacramento como podem ser lidos nos Preliminares do próprio rito. “O pecado é ofensa a Deus, que quebra a amizade com Ele, a penitência “tem como último objetivo fazer que amemos a Deus e a Ele inteiramente nos entreguemos” (CP 5). Por outro lado, o pecado de um só traz dano a todos, “e assim a penitência traz sempre consigo a reconciliação com os irmãos” (CP 5). Não podemos esquecer que a experiência sacramental exige, antes de mais, o acolhimento do convite com o qual Jesus iniciou o seu ministério: “Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15).
2. A conversão de coração não é só o elemento principal, é, também, aquilo que unifica entre si os atos do penitente que são constitutivos do sacramento, uma vez que cada elemento está orientado à conversão de coração: “Esta conversão interior de coração, que engloba a contrição do pecado e o propósito de nova vida, exprime-se pela confissão feita à Igreja, pela conveniente satisfação e pela emenda de vida” (CP 6). A conversão de coração não pode ser entendida como um ato isolado, realizada de uma vez por todas, mas sim uma firme resolução em afastar-se do pecado por um caminho progressivo e contínuo de adesão a Cristo e de amizade profunda com Ele. O modo como está organizado o Ritual da Celebração da Penitência é expressão dos vários momentos ou etapas de um caminho que não termina no momento da celebração do sacramento, mas que informa toda a vida do penitente.
CAPÍTULO II
PARA UMA MISTAGOGIA DO ORDO PAENITENTIAE
3. O Ano Jubilar da Misericórdia oferece uma oportunidade significativa para as comunidades diocesanas e paroquiais, redescobrirem o Rito da “Celebração da reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição individual”[8]. A sequência ritual que encontramos neste segundo capítulo do Rito da Celebração da Penitência ajuda-nos a compreender dois aspectos importantes de natureza eclesial da sua celebração. Em primeiro lugar a celebração da Palavra de Deus, que retoma a estrutura de uma Liturgia da Palavra, isto é, de um verdadeiro acto de culto (cf. SC 56). O anúncio evangélico da misericórdia e o apelo à conversão fazem eco na assembleia na qual “os fiéis escutam, em conjunto, a palavra de Deus que proclama a sua misericórdia e os convida à conversão, ponderam a sua vida, confrontando-a, em conjunto, com a mesma palavra de Deus, e ajudam-se mutuamente na oração” (CP 22). O próprio apóstolo Tiago convida: “Confessai uns aos outros os vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados” (Tg 5, 16).
4. O convite do Rito da Celebração da Penitência ajuda-nos a compreender que Deus Pai celebra um “Jubileu” cada vez que um pecador se apresenta para celebrar este sacramento: “Eu vos digo: Assim haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrependa, do que por noventa e nove justos, que não precisam de arrependimento” (Lc 15, 7). Depois de ter sido ouvido, o penitente faz o sinal da cruz dizendo: “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amem” (CP 42). É um ato de fé distintivo dos cristãos[11]. Este modo de iniciar é importante não só por razões práticas como também teológicas. Este sinal ritual, que nos é familiar, unido às palavras, sublinha o momento no qual inicia verdadeiramente a liturgia. Do mesmo modo, também no final, no momento central da absolvição sacramental, está presente o sinal da cruz. A fórmula trinitária, memória do Baptismo no qual renascemos para a vida divina, orienta-nos para a celebração da Eucaristia, a qual conserva, aumenta e renova em cada um de nós a vida da graça.
5. O ritual apresente sucessivamente uma parte essencial da celebração sacramental: a confissão dos pecados da parte do penitente e a aceitação de um ato de satisfação proposto pelo sacerdote (cf. CP 44). Convém sublinhar alguns aspectos sobre o valor ritual da confissão e a forma que assume. De um modo diverso de outros momentos, aqui não veem indicados os textos ou palavra a dizer, mas o penitente é chamado a confessar os seus pecados. Aquilo que o ritual faz preceder este momento, sobretudo a celebração da Palavra de Deus, mostra que a confissão dos pecados não tem somente origem na iniciativa do penitente. Na verdade, está enraizada na graça de ter ouvido a palavra de Deus, que o levou a sentir-se pecador e por isso, é levado ao arrependimento e à contrição.
6. Encontramos esta sóbria fórmula ritual na CP 47. O sacerdote e o penitente, não dizem palavras suas, mas utilizam expressões tiradas da Escritura. Citando palavras inspiradas do Salmo 117 (118), 1 - o sacerdote exclama: “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom”. O penitente conclui com o versículo seguinte do mesmo Salmo: “Porque é eterna a sua misericórdia”. Estas palavras de louvor usadas pelo povo de Israel e pela Igreja durante milénios cumprem-se novamente e de forma concreta, aqui e agora, com admirável frescura e novidade absoluta.
7. Cada liturgia da Igreja termina fazendo o convite de envio ao mundo daqueles que nela participaram, e que cheios de renovada força divina, são destinados a vivificar a Humanidade. A despedida não é mais do que a forma ritual de envio do próprio Cristo: “Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”, diz o Senhor (cf. Jo 20, 21-23). No Ritual da Celebração da Penitência este mandato aparece numa fórmula concisa: “O Senhor perdoou os teus pecados. Vai em paz”. Ou ainda: “Vai em paz, e anuncia no mundo as maravilhas de Deus, que te salvou” (cf. CP 47bis). O sacerdote pronuncia-as como ministro de Cristo, e o penitente dá-se conta de que é enviado pela Igreja.
CAPÍTULO III
MISERICORDIOSOS COMO O PAI
8. O Papa Bento convida continuamente a Igreja a redescobrir a alegria do Evangelho e a colocar-se como que “em saída”, capaz de ousar, de tomar iniciativas sem medo, mostrando que vive “um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva”[12].
9. É importante considerar também, o papel do ministro do sacramento que, segundo a Bula Misericordiae Dominum, deveriam ser “um verdadeiro sinal da misericórdia do Pai” (MD 2). Também eles, sendo pecadores, não se devem esquecer de se fazerem penitentes saboreando no sacramento da Penitência a alegria do perdão. A tradição católica usa quatro figuras para significar a função específica do sacerdote confessor. Ele é, pois, doutor e juiz – para indicar a objetividade da lei, mas é, também, pai e médico – exercendo a caridade pastoral para com o penitente. Ao longo dos tempos diversas tendências teológicas fizeram sobressair uma ou outra destas figuras. 10. A vocação da Igreja é também aquela de cada discípulo de Cristo, renovado pelo sacramento do perdão. A misericórdia celebrada per ritus et preces compromete, efetivamente, a colocar em prática o ensinamento de Jesus: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).
CONCLUSÃO
11. Esta Carta, como elencado acima, tem a finalidade de facilitar e elucidar as questões mais urgentes ao que se trata da "redescobrirão ao Rito da Penitencia", para que se ter um crucial zelo, lembrando sempre que “perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34).
12. “A Igreja Católica no Habblive Hotel deve ser fiel transmissora da fé Católica, do Perdão e da prática misericordiosa, bem diz o Senhor na Escritura, quando exorta: "Eu quero a misericórdia e não o sacrifício". De modo tal que também nós devemos seguir esta recomendação. Seja usada de misericórdia a fim de que proclame ao Pai, se demonstre a sua glória, assim como usou-se de misericórdia e graça para com o paralítico. Não há nada mais precioso que a comunhão e o amor de Deus em Cristo pela humanidade, pois que o Pai deu ao seu filho (Jo 3, 16) para que fôssemos conhecidos e tornados justiça de Deus (2 Cor 5, 21).
13. A Igreja vê em Maria um exemplo de morada e templo de Deus, nosso Senhor. Maria, a Santíssima morada de Cristo Jesus na terra e templo do Espírito Santo desde pentecostes, nos deu real exemplo de devoção à casa do Senhor. Sendo assim, pedimos a tão boa Mãe da Igreja, e Mãe da Misericórdia! Que ela venha em nosso auxílio e nos oriente e nos conduza para uma vida repleta de perdão e misericórdia.
Dado e passado em Roma, no gabinete da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, no dia 18 de junho do ano da graça do Senhor de 2021, na memória litúrgica de Santa Juliana de Falconieri, sob o pontificado de Sua Santidade Bento.
+ Gabriel Souza Card. Giovanelli
Prefeito
Mons. Raniero Cantalamessa
Secretário